Logo depois da entrevista desta segunda-feira (22) ao Jornal Nacional, ficou clara, pelas reações do próprio presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados, qual tinha sido a estratégia pretendida para a sabatina conduzida por William Bonner e Renata Vasconcellos.
Bolsonaro ironizou dizendo que tinha participado de um “pronunciamento” de William Bonner. Seu filho, o senador e coordenador da sua campanha, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), disse ter sido “a vitória da humilidade sobre a arrogância”. Outros aliados seguiram na mesma balada: Bolsonaro teria sido interrompido o tempo todo, desrespeitado, não deixaram que completasse seus raciocínios, nada se perguntou sobre propostas de governo, etc.
Veja a entrevista em vídeo:
A estratégia lembrou muito a utilizada pelo ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz em 1998 no debate que ele travou com o então governador do DF, Cristovam Buarque. Roriz adotou como tática a impressão de que estava intimidado, humilde. Em determinado momento, errou a pronúncia da palavra “catástrofe”. Criou uma situação que levou Cristovam a massacrá-lo. Uma surra tão grande que virou um tiro pela culatra. Roriz pareceu aos olhos do eleitor digno de pena. E isso o levou a vencer as eleições contra Cristovam.
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Quando Cristovam cresceu sobre Roriz, fez com que o eleitorado se identificasse em Roriz. No mundo real, Roriz, um próspero e milionário fazendeiro de Goiás, era muito mais rico e poderoso que Cristovam, um economista e professor universitário de classe média. Mas ali Cristovam pareceu aos olhos do eleitor o “doutor” arrogante que humilha os mais humildes. Cristovam é que personificava ali aquela persona da famosa canção de Billy Blanco: o que “não fala com pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho”…
PublicidadeQuem conheceu Roriz mais de perto, sabe que o goianão bronco era um personagem. Roriz era intelectualmente muito mais preparado do que gostava de parecer. Mas aquele personagem o aproximava do povo, dos seus eleitores. E Cristovam acabou caindo no jogo.
Com base no que tinha acontecido na entrevista de 2018, Bolsonaro foi para os estúdios da TV Globo sabendo que Bonner e Renata seriam agressivos com ele. Em vez de ser igualmente agressivo como foi em 2018, ele resolveu permanecer calmo. Fazendo com que seus entrevistadores crescessem sobre ele. Se a estratégia deu certo ou errado, é o que se verá agora.
Porque há uma série de outras questões que agora tornam a situação bem diferente da vivida por Roriz e Cristovam em 1998. Como nós dizíamos aqui ontem, qualquer estratégia que Bolsonaro adotasse para a entrevista, para dar totalmente certo, precisaria acontecer com ela o que Garrincha disse a Vicente Feola na Copa de 1958 sobre “os russos”: precisaria ser combinada com os adversários.
O primeiro ponto é que Bonner e Renata foram menos agressivos agora com Bolsonaro do que foram em 2018. As redes estão cheias de opositores hoje dizendo que os dois entrevistadores poderiam ter perguntado isso e aquilo para Bolsonaro, e não perguntaram.
O segundo ponto é que nem Bonner nem Renata são candidatos à Presidência da República. Seus papeis ali não eram os mesmos de Cristovam com relação a Roriz. Os dois jornalistas cumpriam o papel de questionar o candidato. Não disputavam com ele. Não ganham um debate que o adversário perde.
Mas o ponto fundamental talvez seja o fato de que em 1998 não havia redes sociais e a sua capacidade de repercussão do que se deu. Roriz sabia na ocasião, e os aliados de Bolsonaro também agora, que em uma entrevista de televisão o que vale primeiro é menos o conteúdo do que se diz e mais o sentimento e a emoção que passa. Poucos são aqueles que de fato prestam atenção em todas as respostas e as verificam de fato. O que fica é se a pessoa estava nervosa, se suou, se seus entrevistadores foram arrogantes ou respeitosos, etc. É em cima desse conjunto de sensações que se dá de fato a impressão inicial.
O problema é que em 1998 era muito mais essa impressão inicial a que ficava. Agora, o que foi dito por Bolsonaro pode muito mais ser recortado, editado em vários trechos, e receber as devidas respostas que desmontam as afirmações. É bem mais difícil defender em médio e longo prazos a estratégia do que era antes, se ela não tiver sobre si de fato alguma substância.
E o problema agora para Bolsonaro é que ele, ainda que de maneira humilde, mentiu descaradamente. Ao contrário do que acontecia em 1998, cada um desses trechos da entrevista que podem ser desmentidos serão. E já estão sendo.
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Bolsonaro disse que nunca xingou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Vídeos onde ele chama o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” já circulam pelas redes. Acrescidos pelo fato de Bolsonaro ter dito que chegara a “um bom termo” com Moraes e o ministro, agora pela manhã, ter desencadeado uma ação policial contra os empresários bolsonaristas que nas redes sociais tramavam um golpe caso Bolsonaro perdesse para Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, as eleições de outubro.
Bolsonaro disse que nunca imitou vítimas da covid-19 com falta de ar. O vídeo da live em que ele imita as pobres vítimas do novo coronavírus também já circula pelas redes.
Fora os momentos em que Bolsonaro dá respostas ruins na própria entrevista. Como quando admite ter errado na escolha de Milton Ribeiro para o Ministério da Educação.
A diferença que há entre o debate de 1998 entre Roriz e Cristovam e a entrevista de Bolsonaro agora é que agora os programas de televisão prosseguem depois que eles terminam pelas redes sociais. E talvez prossigam ainda mais assim do que exatamente como programas de TV na hora em que eles acontecem. E, aí, a canção de Billy Blanco pode acabar sendo substituída por outra mais recente, de Erasmo Carlos: “Pega na mentira, puxa o rabo dela, pisa em cima, bate nela”…