A cúpula da campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro esperava que, a essa altura, fosse maior o impacto do auxílio de R$ 600 e das demais benesses sobre o eleitorado. De acordo com a pesquisa do Ipec divulgada na terça-feira (29), a grande maioria dos eleitores que recebem algum tipo de auxílio governamental, apesar da ajuda, está com o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a pesquisa, 52% daqueles que recebem ou moram em domicílio onde alguém recebe tem intenção de votar em Lula. Contra 29% que declaram voto em Bolsonaro.
Com relação à rodada anterior da pesquisa, Lula manteve o mesmo percentual neste segmento. E Bolsonaro subiu dois pontos, de 27% para 29%. Como essa é justamente a margem de erro da pesquisa, pode-se dizer que não houve impacto de fato na concessão do benefício sobre o desempenho do presidente que tenta a reeleição para o grupo que o recebe.
Isso, no entanto, está longe de significar que anda sem tinta a caneta do presidente. Que não tenham qualquer impacto as ações do governo. Pode até ser que o impacto das ações governamentais não esteja sendo em cima da população de mais baixa renda que recebe os auxílios. Pode mesmo ser que essa população, como diz Lula, compare o que recebe agora com sua situação nos tempos em que ele era presidente e conclua de fato que naquele tempo era melhor e deseje isso de volta. Mas de alguma forma a avaliação que se tem da atuação do governo impacta o resultado eleitoral.
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O cientista político Alberto Carlos de Almeida analisou isso a partir das pesquisas do Instituto MDA para a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que têm uma série mais prolongada. Avaliando as pesquisas de fevereiro até agora, Alberto Carlos mostra a conexão clara que há entre a melhora na avaliação do governo e a subida de Bolsonaro na corrida eleitoral.
De acordo com a pesquisa, o percentual daqueles que consideravam o governo Bolsonaro ótimo ou bom em fevereiro era de 26%. Esse percentual agora é de 33%. Um aumento, portanto, de sete pontos percentuais.
Em fevereiro, a vantagem de Lula sobre Bolsonaro era de 14 pontos percentuais. Em agosto, caiu para oito pontos percentuais. A variação entre fevereiro e agosto, portanto, ficou em seis pontos percentuais.
Publicidade“A rigor, considerando-se a margem de erro de qualquer pesquisa, o aumento da avaliação positiva em sete pontos e a redução da vantagem em seis pontos são rigorosamente iguais”, considera o cientista político. Ou seja, claramente Bolsonaro cresce sobre Lula na mesma medida em que melhora a avaliação que as pessoas têm de seu governo.
“A questão fundamental é saber o que causou a melhoria do ótimo/bom”, acrescenta Alberto Carlos de Almeida. “Se foi o simples retorno pleno das atividades econômicas após a saída da pandemia – vale recordar que o desfile das escolas de samba em 2022 aconteceu em abril – ou se foram vários fatores conjugados: além deste mencionado, o pacote de medidas governamentais que inclui a redução do preço dos combustíveis e o Auxílio Brasil”.
Retornando-se aos números do Ipec, não foi somente o Auxílio Brasil. Provavelmente, é, portanto, mesmo o conjunto de todas essas coisas. O arrefecimento da pandemia traz um grau maior de normalidade à vida das pessoas, e isso provoca algum efeito positivo. E o governo faz esforços no limite (ou mesmo o ultrapassando) da irresponsabilidade para produzir boas notícias. Dá auxilio de R$ 600, reduz o preço dos combustíveis, tira imposto de jet ski…
Tudo isso somado, melhora a avaliação do governo, e melhora o desempenho eleitoral de Bolsonaro. A questão agora é saber se Bolsonaro consegue crescer o suficiente para reverter a tendência que desde o início sempre foi de vantagem de Lula na corrida eleitoral. E é isso o que vem frustrando até agora a campanha de Bolsonaro.
Havia entre eles uma expectativa de que Bolsonaro tirasse pelo menos dez pontos percentuais da desvantagem que tinha com relação a Lula. Não tirou. E a última pesquisa do Ipec apresenta um outro dado complicado quanto a essa expectativa: tanto Lula quanto Bolsonaro ficaram exatamente nos mesmos percentuais de uma rodada para outra, 44% a 32%.
No caso de Lula, já parecia haver de outras pesquisas uma impressão de que o candidato do PT está estacionado. Agora, isso pode bater também no caso de Bolsonaro. Os dois candidatos que lideram as pesquisas estariam, então, perto do seu teto?
Se estiverem, seria necessário, então, um segundo movimento daqui até outubro: o voto útil. E é nisso que trabalham agora as campanhas. No debate da Band, Lula fez aquele gesto de aproximação de Ciro Gomes. Que não funcionou muito bem: Ciro chamou Lula de “encantador de serpentes” e seguiu o seu rumo. Mas Lula irá tentar fazer com que eleitores de Ciro – e dos demais candidatos que não Bolsonaro – migrem seus votos para ele para tentar liquidar a fatura no primeiro turno.
E Bolsonaro tentará de outra forma arregimentar aqueles que têm rejeição a Lula e ao PT para que migrem para ele diante dessa ameaça de vitória de Lula no primeiro turno: o mesmo medo e rejeição do PT que definiu a eleição de 2018.
O que vai acontecer no dia Sete de Setembro poderá ser definidor de tudo isso. As pesquisas têm mostrado também que, fora o núcleo bolsonarista mais radical, a população não apoia os arroubos antidemocráticos do presidente. Se o Sete de Setembro – com a pantomima militar que Bolsonaro marcou para a Praia de Copacabana – ficar parecido com o que foi no ano passado, Lula poderá ganhar o voto útil de democratas que não querem correr o risco de um retrocesso autoritário. Se Lula der alguma derrapada, se aceitar que se cole sobre ele sem resposta a pecha de corrupto que Bolsonaro tentou colar nele no debate da Band ou qualquer outro deslize, cresce Bolsonaro. Se a eleição for para o segundo turno, Bolsonaro terá mais 28 dias para tentar reverter o quadro. E Lula para garantir a sua vantagem.