Quem sou eu para reclamar do surgimento de uma terceira via eleitoral no Brasil de 2022. A polarização tem sufocado debates e alternativas necessárias.
Bolsonaro é a anticivilização, ponto. Lula e o PT realizaram avanços, mas ainda olham para o passado e não se dignaram a mostrar à sociedade brasileira o que aprenderam com a experiência no governo. O ex-presidente Lula inclusive calou a boca de todos aqueles que pediam uma autocrítica do partido ao afirmar que os adversários queriam que o PT fragilizasse a si mesmo diante do eleitorado. Deduz-se que assumir erros é inadmissível então.
Bolsonaro é a anticivilização, ponto. Lula e o PT parecem não ter muito mais a nos oferecer que apenas um seguro mínimo anticivilização.
Quem quiser olhar para uma esquerda mais antenada com o futuro que converse com Guilherme Boulos. Boulos entende que a sociedade moderna não está se proletarizando, ela está se “lumpenizando”. Não há mais concentrações industriais como antes, as identidades fragmentam-se, o trabalhador formal é mais uma camada que se impõe sobre o verdadeiramente pobre. A organização das novas formas de ação social está surgindo, e Boulos está no meio delas.
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Da mesma forma, quem quiser olhar para uma direita que seja melhor do que os herdeiros oportunistas das capitanias hereditárias, que ouça um pouco mais Rodrigo Maia, ou melhor, conheça suas posições quando tentou construir alguma agenda reformista nos últimos anos. Creio que não se ouviu o que se debatia no tapete verde da Câmara dos Deputados, porque uns ainda esperavam o milagre da redenção moral que viria do Planalto e outros os favores do tesouro público.
Ah! Os favores do tesouro! Nosso empresariado me faz lembrar “aquele que era tão pobre que só tinha dinheiro”. Sim, andar atrás de favores do Estado, qualquer Estado e qualquer governo, e aceitar o que corre hoje na terra brasilis são coisas dignas de predador do século XVI, ansioso para voltar à sua Europa/Miami, deixando um rastro de não país para trás. Quem quisesse progresso e lucros deveria ter deixado Bolsonaro a ver navios há tempos. Mas como não é de escrúpulos que se faz um pirata em terras tropicais, logo bandearão para os novos caciques de plantão, e estes que se cuidem.
PublicidadeEntão chegamos ao aviso. No âmbito pessoal, honestidade é uma virtude passiva. Um homem não se move porque é honesto. Ele age porque quer construir, precisa de alimento, deseja progredir. A honestidade age em silêncio em seu interior como um filtro que aceita determinados comportamentos e rejeita outros. E o faz em silêncio. Ainda me surpreende quem não saiba: quem é honesto não o proclama, quem o alardeia não o é. Ainda me surpreende que a ignorância da natureza da honestidade não tenha sofrido uma rachadinha.
No âmbito público, combate à corrupção não é política de governo. Nenhum líder terá sucesso em construir uma nação mais próspera se seu principal objetivo for controlar atos de improbidade. O controle à corrupção é função institucional. Começa na base, com órgãos de controle e empoderamento social. Vai subindo por tribunais, promotorias que possam ter independência e recursos para fazer suas funções. E assenta-se fortemente em imprensa livre. O presidente pode e deve instituir políticas que fortaleçam os mecanismos de controle, e é essa sua principal obrigação.
Lembrem-se: combate à corrupção não é meta de governo. Pode ser chamariz eleitoral e deve traduzir-se em fortalecimento institucional, mas um governo deve ser muito mais. E, principalmente, ser outras coisas em primeiro lugar.
Mais do que tudo, eu gostaria de uma terceira via que me dissesse que a educação é a política pública mais importante do país. Política pública de verdade: recurso para formar mais e melhores professores, para pagá-los melhor, sistemas de apoio à alfabetização, ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, política de avaliação empoderada norteadora de políticas públicas. Queria ver um presidente que chamasse um professor de escola pública por dia ao Palácio do Planalto e o ouvisse com honestidade como vão as crianças brasileiras.
Eu gostaria de um presidente que me dissesse o que vai fazer para tornar a economia brasileira mais competitiva. Certamente a trupe do corte dos direitos trabalhistas já se alvoraça em torno de qualquer um que os receba. Recomendaria eu, contudo, que olhassem primeiro e com mais rigor para o hoje ilustre manicômio tributário, para a infraestrutura precária, que nos salvassem da situação de pária internacional que afeta o comércio, que olhassem para o Estado não como mínimo ou máximo, mas para que fosse eficiente nas atribuições que precisamos serem feitas. Lembrem-se dos subsídios, por favor.
E por fim gostaria que o presidente olhasse para a saúde pública como se seus filhos fossem dela precisar. E para a segurança pública como se seu filho estivesse à noite na rua, mal identificado, “parecendo suspeito”. Que olhasse para a segurança como um resultado sistêmico de uma sociedade, e não uma guerra de bons contra maus. Até porque os maus trocam de lugar com os bons regularmente e a depender de quem os enxerga.
Uma terceira via que nos aumente as possibilidades de escolha em 2022 pode colaborar. No entanto, já partiria eu de bastante desânimo se combate à corrupção fosse o principal mote deste novo candidato. E temo ainda que a falta de sensibilidade social possa ser mais uma vez encoberta sob o discurso de resgate da moralidade.
Não quero mais perder tempo com o combate ao comunismo; quero sim que todo mundo tenha vida digna. Temos fome, e 15 milhões de desempregados.
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