Ricardo Marques de Medeiros *
Especial para o Congresso em Foco
O Brasil chega à sua quarta eleição consecutiva desde que foi proibida a doação de empresas privadas a candidatos e partidos em meio ainda a dúvidas sobre a eficácia do novo modelo de recursos eleitorais. Para este ano, estão liberados R$ 6 bilhões em recursos públicos para o custeio de campanhas eleitorais (R$ 4,9 bilhões do fundo eleitoral e R$ 1,1 bilhão do fundo partidário), além das doações de pessoas físicas. A distribuição de montantes bilionários saídos dos cofres públicos ainda não resolveu problemas de sub-representação política de negros, indígenas e mulheres, um dos pontos levantados pelos defensores do fim do financiamento de empresas.
A transparência no financiamento político é mencionada pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada em 31 de outubro 2003, como uma das áreas importantes para prevenir a corrupção. O dinheiro é parte integrante de qualquer eleição e democracia, possibilitando a participação política e a representação. No entanto, se não for adequadamente regulamentado, o financiamento da política pode ser um grande desafio para todas as democracias.
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Influência indevida
Para Khushbu Agrawal, assessora do International Institute for Democracy and Electoral Assistance (International IDEA), uma organização intergovernamental que avalia a democracia em todo o mundo e com sede na Suécia, o financiamento político é um ponto de entrada óbvio para interesses estreitos exercerem influência indevida sobre decisões políticas. “A falta de regulamentação do dinheiro na política compromete a equidade eleitoral, mina a igualdade política, coloca em risco a integridade das instituições e enfraquece, em última instância, a legitimidade democrática, pois os cidadãos perceberão que as eleições e os governos não refletem suas demandas e interesses”, afirma Agrawal.
De acordo com a especialista, praticamente todas as democracias do planeta promulgaram legislações para regular os recursos usados nas campanhas eleitorais. “No entanto, escândalos de financiamento político continuam a surgir ininterruptamente em vários países. A maioria dos esforços regulatórios promulgados em todo o mundo tem sido minada na prática. Em primeiro lugar, eles foram enfraquecidos pela falta de aplicação efetiva e pela ausência correspondente de transparência”, diz Agrawal.
PublicidadeFinanciamento de empresas
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o financiamento eleitoral por empresas em 2015. O STF julgou uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), iniciada em 2013, que questionava artigos da Lei dos Partidos Políticos e da Lei das Eleições. Em 2017, o Congresso Nacional aprovou, por meio das leis 13.487 e 13.488, a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para compensar o fim da doação de empresas para candidatos.
Segundo o professor Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Emerson Cervi, após a decisão do STF, o Estado brasileiro precisou adotar uma alternativa para viabilizar as campanhas eleitorais e afastar o fantasma do “caixa dois”, recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização. “O Estado decidiu não aceitar dinheiro privado. E se não colocar dinheiro público, haveria dois caminhos: o caixa dois, que quem financia é quem está à margem da sociedade, o crime organizado, ou favorecer quem já tem dinheiro, uma elite política eleita, que é rica e que é quem pode botar dinheiro próprio nas campanhas”, afirma Cervi.
Democracia plena
Opinião compartilhada pelo sociólogo Arilton Freres, diretor do Instituto Opinião. “Na medida que você tem financiamento público de campanha, deveria ser permanentemente proibida a injeção de recursos próprios ou doações privadas de pessoas físicas. Porque existem grandes milionários financiando campanhas que são de seus interesses e, de certa maneira, potencializando candidatos e provocando desigualdade na disputa eleitoral”, afirma Freres. “Precisamos pensar em uma democracia plena, na qual possa disputar, de igual para igual, um líder comunitário de uma favela e um grande empresário. Não dá para ter um desequilíbrio na base do dinheiro.”
Emerson Cervi considera que uma consequência do fim do financiamento privado foi a provação da reforma tributária em 2023. “Por que o Congresso aprovou o ano passado uma reforma que era debatida ao longo de 20 anos? Uma boa explicação para isso, segundo o professor, é que os empresários pararam de doar para campanhas e os políticos ficaram livres da pressão. Enquanto existia empresa doando, cada empresa ia lá no seu representante e pressionava. Com isso, a reforma não avançava. Quando os políticos deixaram de ter esse contato direto, mais imediato com os doadores, ficaram mais livres para, enfim, votar a reforma”, afirma Cervi.
Equilíbrio
Cada país deve tomar a decisão de equilibrar entre financiamento público e privado, dependendo de suas circunstâncias e prioridades únicas, afirma Khushbu Agrawal, representante do International IDEA. “Os partidos políticos em muitos países são financiados por uma combinação de fundos públicos e privados. Fontes privadas de financiamento podem incluir doações de pessoas físicas ou jurídicas. Pode servir como um canal para a participação política e, em muitos países, é considerado um aspecto indispensável da liberdade de expressão. Contribuições privadas são uma maneira legítima de financiar as despesas operacionais e de campanha de partidos políticos e candidatos, no entanto, a preocupação de política pública é que o financiamento de campanhas pode vir com condições que vinculam o partido ou o candidato ao doador”, diz Agrawal.
Para limitar qualquer influência indevida, é muito comum os países proibirem certos tipos de doações privadas para regular contribuições que são vistas como potencialmente prejudiciais ao processo democrático, garantindo transparência e mitigando riscos de corrupção.
Comprovação de gastos
No Brasil, a lei eleitoral permite, também, doações de pessoas físicas e recursos próprios de candidatas e candidatos; e o controle dos gastos de campanha cabe ao TSE, que avalia a prestação de contas dos candidatos e dos partidos, que precisam comprovar quanto, como e com quem foram gastos. No caso de haver verbas públicas não utilizadas, elas deverão ser devolvidas para a conta do Tesouro Nacional, no valor total da sobra de campanha eleitoral, no momento da apresentação da respectiva prestação de contas por candidatos e siglas políticos.
No próximo mês, o país retorna às urnas para eleger prefeitos e vereadores. Neste ano, o Estado brasileiro alocará R$ 4,9 bilhões para campanhas políticas, o chamado fundo eleitoral. As regras para a distribuição desses recursos, incluindo cotas para candidatas mulheres e negros, são estabelecidas pelo TSE, que também é responsável pela fiscalização sobre o uso do dinheiro público.
Custo da democracia
Segundo o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), o financiamento público de campanha é a melhor solução. “É o custo da democracia. Nós jamais teríamos no Congresso negros, negras, gente pobre da favela e trabalhadores eleitos deputados ou senadores se não fosse o financiamento público. O financiamento público é, para muitos, a única forma deles poderem ocupar um espaço político, um espaço de poder em uma Câmara de Vereadores, no Congresso Nacional ou se tornarem prefeitos”, diz Zeca. “Não havendo o financiamento público, obviamente, restariam apenas os ricos e poderosos financiando suas próprias campanhas, disputando e ganhando eleição. Isso distorceria a democracia, a representação política do país”, afirma o ex-líder do PT.
Para o sociólogo Arilton Freres, basta analisar as inúmeras denúncias de corrupção que o país registrou nos últimos anos de financiamento de empresas para campanhas políticas, depois da redemocratização, para entender que o caminho adotado pelo Estado brasileiro foi importante na luta contra a corrupção e o caixa dois nas campanhas. Mas, de acordo com o diretor do Instituto Opinião, ainda é preciso aperfeiçoar o sistema. “Acho que precisa ser mais bem regulamentado, ter um controle social maior do recurso e tem de pensar em mecanismos de democracia interna dos partidos e, de fato, coibir o poder econômico.” Apenas em alguns países é possível obter informações razoavelmente confiáveis sobre quanto dinheiro circula nas eleições, de onde vêm os recursos e como são gastos, como diz Khushbu Agrawal.
Mais mulheres
Na tentativa de nivelar o campo de jogo, 30 países vincularam a provisão de financiamento público à participação política das mulheres, conceitualmente denominado financiamento público direcionado ao gênero. “Essas medidas visam não apenas remover as barreiras financeiras enfrentadas pelas mulheres, mas também são fundamentais para eliminar desigualdades que comprometem a integridade eleitoral”, afirma a assessora do International IDEA.
Levantamento parcial da plataforma 72horas em parceria com o Congresso em Foco mostra que, até quinta-feira (11), mais de 70% dos recursos repassados às candidaturas estavam concentrados em homens.
Khushbu Agrawal lembra que os principais objetivos do financiamento público direcionado ao gênero são incentivar os partidos políticos a indicar mais candidatas mulheres, usando recompensas financeiras para vincular a quantidade de financiamento público fornecido ao nível de igualdade de gênero entre os candidatos; reduzir a carga financeira das candidatas mulheres, garantindo que recebam mais dinheiro para melhorar sua capacidade de competir de maneira mais eficaz nas eleições; e melhorar atitudes e apoio à igualdade de gênero por meio do uso de financiamento público para atividades de treinamento e sensibilização.
“O financiamento público direcionado ao gênero sozinho não pode resolver o problema da sub-representação das mulheres na política. Pode funcionar como complemento ou alternativa às cotas, onde a não conformidade significa que os candidatos de um partido não aparecerão na cédula. O financiamento público direcionado ao gênero deve ser visto como uma opção mais flexível para incentivar a igualdade de gênero nos partidos políticos, ou como uma ferramenta entre muitas. Isso pode incluir regulamentações formais, como redução das taxas de indicação de candidatas mulheres, redução das pressões de gastos ao impor limite de gastos para candidatos e garantir acesso igual à mídia para candidatos homens e mulheres”, afirma Agrawal.
Risco de abuso
Embora a razão para fornecer financiamento público a todos os partidos políticos registrados seja promover o pluralismo político, isso também traz o risco de as pessoas abusarem do sistema criando novos partidos políticos ou concorrendo a cargos apenas para obter financiamento estatal. A maioria dos países com sistemas de financiamento público estabelece critérios claros para conceder acesso ao financiamento público aos partidos (um limiar de elegibilidade). O limiar de elegibilidade mais frequentemente usado em todo o mundo é fornecer financiamento apenas a partidos que conquistaram mais de uma certa porcentagem dos votos.
“O financiamento público gera distorções eleitorais, tira dinheiro público de onde é essencial e não necessariamente corresponde aos anseios da sociedade, especialmente no formato que é praticado hoje no Brasil, que tem um Fundo Eleitoral exorbitante, sendo a maior fatia destinado aos maiores partidos e, portanto, dificultando a renovação”, afirma o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro. Ele lembra que a legenda sempre defendeu o financiamento privado para campanhas eleitorais, contanto que seja de forma transparente e com regras bastante claras, porque é o modelo mais justo e democrático.
Falando globalmente, doações estrangeiras, doações anônimas e doações de corporações, bem como corporações com contratos governamentais e corporações de países com governo parcial, estão sujeitas a proibições de doações. Atualmente 28% dos países no mundo proíbem doações corporativas a partidos políticos. Nesse sentido, o Brasil não é único. O financiamento público para partidos políticos é mais comum do que se pensa. Aproximadamente 71% dos 181 países, conforme o Banco de Dados de Financiamento Político do International IDEA, oferecem algum tipo de financiamento público para partidos políticos, seja regularmente ou em relação a campanhas ou ambos.
Distribuição do fundo eleitoral
Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal, as campanhas eleitorais no Brasil têm sido predominantemente financiadas com recursos públicos. O montante total de recursos distribuídos pelo Fundo Eleitoral é estabelecido pela Lei Orçamentária Anual (LOA) e transferido pelo Tesouro Nacional para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável por distribuir os valores aos diretórios nacionais dos partidos políticos.
De acordo com a Lei 13.487/2017, os recursos do Fundo Eleitoral são distribuídos conforme os seguintes critérios: 2% igualmente entre todos os partidos; 35% divididos entre aqueles que possuem ao menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara; 48% divididos entre as siglas, na proporção do número de representantes na Câmara, considerando apenas os titulares; e 15% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, também considerando apenas os titulares.
Os recursos do Fundo Eleitoral só estarão disponíveis para o partido político após a definição dos critérios de distribuição para seus candidatos, o que deve ser decidido pela Comissão Executiva Nacional da agremiação partidária, conforme exigido pela Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).
O Fundo Eleitoral é liberado para o TSE até o primeiro dia útil do mês de junho do ano eleitoral. É importante ressaltar que os recursos do Fundo Eleitoral não são uma doação do Tesouro Nacional aos partidos políticos ou aos candidatos, devendo ser utilizados exclusivamente para financiar as campanhas eleitorais. Os partidos devem prestar contas do uso desses valores.
* Ricardo Marques de Medeiros, jornalista formado pela PUC de Campinas, com passagens por Folha de S.Paulo, Gazeta do Povo, Plural e assessorias de comunicação.