O início da propaganda eleitoral em rede nacional de rádio e TV, na sexta-feira, 31, reacende um debate recorrente, porém invisível, a respeito do modelo de campanha adotado pelo Brasil. Afinal, o que deveria reger o necessário período dedicado à conquista de votos, alicerce de qualquer sistema democrático? Seria a tão esperada, comum e já arcaica profusão de imagens deslumbrantes, com qualidade de cinema, em que a candidata ou candidato se transformam num produto? Ou seria a prioridade absoluta às ideias, ao pensamento, aos valores, às intenções, às propostas, ao conteúdo de quem postula um cargo eletivo, seja ele qual for.
A coisa mais comum do mundo é ouvir por aí que político é tudo igual. Você pode estar em casa, numa roda de amigos, no ambiente de trabalho, numa padaria tomando um café, num vagão de metrô ou no último assento do ônibus. Sempre tem aquele “vizinho” que puxa conversa e reclama que todo político, sem exceção, promete mundos e fundos, mas depois de eleito some para voltar quatro anos depois pedindo voto de novo, que não acredita em candidato nenhum, que faz questão de não votar em ninguém em sinal de protesto a essa “malandragem geral” e que, finalmente, “é por isso que o Brasil não vai pra frente”.
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Esse sentimento permeia nossa sociedade de uma forma tão estarrecedora que cria uma névoa espessa entre o papel do cidadão e eleitor e o papel de seus representantes.
Voltando ao nosso tema, o que isso tudo tem a ver com o modelo brasileiro de representação? A resposta é: tudo!
Quem nos representa? É quem recebe o maior numero de votos na eleição. Se ele recebeu essa maioria de votos, quem foi que deu esse votos? Nós mesmos, os pouco mais de 147 milhões de eleitores registrados hoje no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por sinal, um número estratosférico para qualquer democracia do mundo.
Agora é que surge a questão crucial: como e por que esta cidadã ou cidadão foram eleitos, após terem recebido a maioria dos votos das eleitoras e eleitores?
PublicidadeTerá sido porque essa candidatura foi transformada num produto, num sabonete, margarina ou pasta dental, como se nem sequer fosse um ser humano sujeito a tudo ao que qualquer um de nós vivencia como cidadão, trabalhador, mãe ou pai, filha ou filho?
Ou teria sido porque seus eleitores sentiram confiança na palavra, nas ideias, nas propostas, no desejo, no olhar e na verdade que aquela pessoa representa? Para, só então, conferir àquela candidata ou candidato a nobre missão de assumir a condição de sua representante?
Certamente a leitora ou leitor se identificará com a primeira situação, já que é o que temos para hoje e pelos próximos trinta e poucos dias.
Mas o desejável é que fôssemos (sim!) bombardeados, mas não pelas imagens bonitas do horário eleitoral, e sim por ideais e ideais, sugestões de caminhos, propostas de soluções, debates coletivos, integração de iniciativas, fortalecimento de bons exemplos, impulsionamento de práticas de sucesso, valorização de vivências bem-sucedidas.
A impressão que dá é que, via de regra, os próprios candidatos preferem o caminho fácil da desinformação em lugar do conteúdo. Salvo raras exceções, a prioridade é dada muito mais à imagem do que às ideias, já que, tudo indica, este seria o modelo que “dá certo”.
E dá mesmo, mas para quem? Para o candidato, está claro que funciona. Mas será que o mesmo se aplica ao eleitor? Será que não estaria exatamente neste modelo de campanha a razão de tanta desilusão com a política em geral? Talvez esteja aí o fosso que separa o cidadão e eleitor do político eleito para ser seu representante.
Mas como mudar essa lógica? Como construir um sistema no qual, para se tornar representante da população, o candidato passe naturalmente por uma série de sabatinas, de conversas, de momentos de aproximação e contato com o eleitor.
A internet e as redes sociais poderiam funcionar como um bom laboratório, mas mesmo a regulamentação ampliada em 2016 se limita a aspectos gerais, deixando o conteúdo a critério de cada partido ou candidato, reproduzindo no ambiente virtual o mesmo modelo de campanha em vigor há décadas.
Mas será que não há alternativa viável? E se o horário eleitoral deixasse de ser repartido entre os partidos para que cada um mostre seu sabonete, margarina ou pasta dental? Poderíamos evoluir para um sistema em que, por exemplo, o tempo dedicado às campanhas em rádio e TV deixasse de ser “propaganda política” para se tornar horário de “debate político” entre os candidatos, especialmente a cargos majoritários.
Debates temáticos, com tempo suficiente para todos expressarem seus pontos de vista a respeito de cada assunto dentro daquele tópico, suficiente para que fosse esgotado aquele tema e os posicionamentos dos candidatos.
Dá para ouvir desde já muita gente indignada dizendo que um formato desses seria insuportável, que ninguém iria assistir, que não funcionaria e que só serviria para irritar ainda mais o eleitorado.
Será? A sociedade está acostumada a passar horas assistindo ou ouvindo jogos de futebol, novelas, filmes, shows. Tudo depende da forma como essa atração é apresentada.
Se a ênfase for dada à importância daquele momento para o futuro de cada um de nós e da Nação como um todo; se uma propaganda tão bem feita como as dos atuais candidatos for direcionada para atrair o interesse do cidadão para os debates eleitorais; se o país parasse para prestar atenção ao processo eleitoral e a esses debates temáticos como já faz para determinados momentos esportivos e de entretenimento; e se os debates fossem conduzidos por um pool de emissoras capitaneado pelo TSE, com liberdade suficiente para extrair o máximo de informação e conhecimento dos candidatos; ou seja, se o país realmente mergulhasse de corpo e alma no período de escolha de seus representantes de forma criteriosa e objetiva; aí sim, estaríamos na trilha de garantir mais qualidade dos eleitos, maior engajamento do eleitor, contato permanente entre ambos durante todo o mandato e, certamente, um futuro de país calcado na força coletiva de um projeto comum.
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