Olá, eu sou Beth Veloso e te convido a conhecer o Papo de Futuro, da Rádio Câmara, programa semanal de 15 minutos que trata de tecnologia, internet e mídias digitais em um bate papo gostoso e informal. O convite do programa é refletir sobre essas novas mídias e como elas impactam em nossas vidas. Também vamos falar sobre como o governo pode proteger os cidadãos e os direitos humanos, como privacidade, liberdade de expressão e a não censura. O Papo de Futuro tem uma linguagem coloquial e ajuda a pensar e entender o mundo em que vivemos, além de trazer as novidades desse universo que não para nunca. Vamos à coluna desta quinta-feira: em vídeo ou texto (logo abaixo).
O rádio disse para a TV:
– eu te invejo.
A TV disse para a internet:
– eu te invejo.
A internet disse para o rádio:
– eu queria ser como você.
E o rádio tocou aquela música que a Dona Maria pediu, lá da Amazônia.
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Então, o rádio disse:
– eu preciso de pouco para viver. Só um radinho de pilha. Já resolve o meu caminho. E não preciso de tanto lobby. Nem de grandes dinheiros. Preciso de boa vontade, mais do que uma boa voz. Pode falar do seu jeito. Pode usar seus trejeitos. Pode trabalhar em equipe. Ou fazer rádio sozinho. No rádio, não tem essa de solidão.
O jornalista Roquette-Pinto criou a primeira emissora. O ex-presidente Vargas criou um símbolo: a Voz do Brasil, a canção “O Guarani” ao fundo, um dos programas de rádio mais ouvidos do mundo. O rádio não é nacional. Tem aplicativo na internet em que dá para ouvir rádio do mundo inteiro. Mas só o Brasil tem a Voz que as árvores da Amazônia ouvem todo santo dia, exceto finais de semana e feriados. Onde a minoria fala. Onde a minoria no Congresso fala. Onde os poderes falam. Onde o ribeirinho ouve. E fala também.
Porque rádio não tem algoritmo. Há anos e anos, ou 100 anos, o rádio evoluiu. Evoluiu tanto que não precisou ser digital, como a TV. O rádio já tinha o estéreo. Avançou para ter sua versão comunitária, com sua própria lei, e milhares de emissoras hoje comunicam muito, ainda que seu alcance seja de apenas 1 (um) km, para poder caber mais gente no mesmo lugarzinho do espectro. A lei de rádio comunitária nem permite propaganda. Mas o rádio é tão extraordinário que sobrevive, assim, à mingua.
O conteúdo do rádio e o dilema da mentira
Eu quero saber quem está preocupado com fake news no rádio? Quem aí perdeu o sono porque o rádio brasileiro está dominado pelo discurso do ódio? Porque ódio no rádio a gente resolve pressionando o botão, indo para outra rádio. E o rádio, em sua essência, como diz Mara Régia, jornalista e estrela de Rádio que dedicou sua vida a dar voz às mulheres da Amazônia, é puro amor.
Uma vez apaixonados pelo rádio, a sua musicalidade, a sua informatividade, o jeito que a gente pode esticar a conversa sem ter que se espremer seus 15 segundos de um vídeo do TikTok, a gente entende que rádio também pode se chamar democracia, porque o mesmo rádio que fala para o padrão, fala para o empregado. Sem efeito bolha, que é falar só para quem pensa igual; sem engajamento ou propaganda com marketing emocional; sem segmentação ou extração de dados, a mesma água que eu bebo é a água que você bebe.
Rádio rima com futuro
O rádio pode melhorar, mas é difícil. Com pouco mais de 20 anos, a jovem internet parece viçosa, mas está doente com a concentração de poder e a sede de lucro de milionários donos de empresas planetárias. Enquanto o rádio, esse ancião de 100 anos, esbanja vitalidade.
Pois no rádio, a gente come toucinho de porco e não McDonald’s, como se faz na internet. O conteúdo do rádio é nacional, não essa agenda tecno-cêntrica dos países e aplicativos que inundam o mundo com uma cultura e uma língua que não é a nossa.
E olha que não estou falando mal da internet. Estou falando bem do rádio. Precisar melhorar? Precisa dar direito de antena a sindicados, partidos, associações, precisa ter mais rádios públicas, ligadas ao povo; mais rádios comunitárias, ligando vizinhos; precisa acabar com a propriedade cruzada de veículos e reduzir a concentração de emissoras, inclusive a geográfica, levando mais rádios para fora dos grandes centros; precisa discutir a sustentabilidade financeira do meio, para ter mais dinheiro E avançar na pluralidade regulada, como denomina Luiz Vogel, cientista político da Consultoria da Câmara e autor de estudo sobre concentração do rádio que foi buscar nos Anais da Constituinte de 1987 as bases ideológicas de como seria o ideal de comunicação no Brasil.
Assim como eu e você não estamos prontos, o rádio também não está pronto. Ele precisa melhorar. E vai melhorar. O espectro de frequência é um bem limitado. Porém, se engana quem diz que é escasso, pois o rádio brasileiro é pura abundância de criatividade e de muitas vozes e infinitas cores ideológicas, sociais, culturais e humanas que cabem ali.
O rádio se reinventa para viver, mesmo quem vai embora, como eu, que era repórter nos idos dos anos 90 na Voz do Brasil, voltei para beber na fonte da juventude, pois informação é tudo.
Informação com asas na imaginação, pois quem cria a imagem, no rádio, é a sua cabeça. Diferente da TV, aqui é o império do sentido, porque rádio é oceano.
A internet de mãos dadas com o rádio
Como diz o filósofo alemão Nietzsche, “aquilo que não me mata, só me fortalece”. Na versão internet, o rádio é fluxo, é streaming, é ao vivo, porque é como a gente saber fazer como a gente faz. E o stream, ou riozinho, por mais fino que seja, um dia chega ao mar e se torna oceano. Se completa. Se realiza. Se eterniza nos engarrafamentos, na audiência fiel e massiva de mais de 92% da população brasileira.
E a explicação é muito simples, simples como o próprio rádio: aqui, a comunicação é mediada por um humano e não por uma máquina de inteligência artificial racializada pela cultura branca europeia ou norte centrista. A gente manda beijo para tia e diz eu te amo para esposa e ninguém te bloqueia ou te cancela por isso.
Porque é isso que o rádio é raiz, e não Nutella. Mais do que voz, ou fala pública, o rádio é emocional, é conforto, é alegria, é esperança. Para ouvir rádio, não precisa ter idade, precisa ter coração.
Rádio é cachaça
Para render aqui a minha paixão, vou terminar o programa entrando no túnel do tempo, indo para o lugar em que era ouvida por meus empolgados parentes quando encerrava assim as minhas matérias na Voz do Brasil: “De Brasília, Beth Veloso”.
Lembrando que também fiz parte do nascimento da Rádio Câmara, em 1999, essa rádio verdadeiramente pública e voltada para o interesse público.
Eu, Beth, já mudei muito de lá para cá. Já casei. Separei. Sofri. Chorei. Mas o rádio brasileiro é amor para vida toda. Daqueles que a gente nunca esquece.
O comentário no Papo de Futuro vai ao ar originalmente pela Rádio Câmara, às terças-feiras, às 8h, em 96,9 FM Brasília.
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