Mesmo sendo mais de 50% da população, as mulheres representam apenas 34% das candidaturas. Às vésperas das eleições municipais, dos quase 464 mil candidatos registrados, cerca de 163 mil não declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter recebido recursos. As mulheres representam pouco mais de um terço desse número. Os dados foram compilados pela plataforma 72horas, parceira do Congresso em Foco, que rastreia a distribuição das doações eleitorais a partir do sistema do TSE. Até essa sexta-feira (4), mais de 70% dos recursos para campanha foram destinados a candidaturas masculinas. Candidatas ouvidas pela reportagem relataram dificuldade para concorrer com homens e outras mulheres que dispõem de acesso a maior financiamento eleitoral.
A legislação permite que candidaturas e partidos arrecadem recursos até o dia da eleição, mesma data em que podem ser contraídas obrigações financeiras. Após esse prazo, a arrecadação de valores está liberada, exclusivamente, para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia das eleições.
Leia também
Candidaturas sem recursos
Candidata a vereadora em Mauá da Serra (PR), a mais de 300 km da capital Curitiba, Suze Cristina (Podemos) relata que candidatos a vereador pela legenda não receberam recursos. O apoio do partido, segundo ela, surge de forma indireta por meio do candidato a prefeito Giva Lopes (União Brasil). Os partidos compõem a coligação Avante Mauá.
“Eles têm nos dado o maior apoio para campanha. Nós recebemos os santinhos, adesivos e bandeiras. Mas isso não é suficiente para uma campanha”, desabafa a candidata. “A gente está fazendo uma campanha simples, humilde, e ele [Giva] ajuda dentro daquilo que ele pode, porém os partidos têm deixado a desejar”.
Assim, Suze faz parte dos quase 165 mil candidatos que não receberam recursos financeiros nestas eleições. Por mais que exista auxílio por meio do candidato a prefeito apoiado pelo partido dela, efetivamente, não recebeu um real, de acordo com dados do TSE na plataforma Divulga Cand.
Na disputa pela Câmara Municipal de São Caetano do Sul (SP), Viviane Camargo (Republicanos) conta que também não recebeu recursos do partido. Ao todo, na campanha a candidata recebeu R$ 2,7 mil, destes, R$ 2,1 mil se referem a recursos estimáveis. Recursos financeiros propriamente ditos foram R$ 600, fruto de autofinanciamento para promoção das redes sociais. “Estou usando dinheiro que eu considero que é algo que estou retirando da minha família”, explica.
No município do ABC Paulista, o partido de Viviane afirmou que só destinaria recursos financeiros nestas eleições para cidades onde o candidato a prefeito fizesse parte da sigla. Pelo fato de São Caetano do Sul não ter candidato do Republicanos à prefeitura, os demais candidatos ficaram desassistidos. Ela diz ter recebido apenas material de divulgação, como “santinhos”.
Redes sociais
Uma grande aliada para as candidatas com poucos ou nenhum recurso financeiro para a campanha são as redes sociais, porque permite alcançar mais pessoas de forma gratuita. Viviane conta que mais de 90% da campanha acontece nas redes sociais. O valor que ela investiu na campanha, inclusive, foi para impulsionar as postagens na última semana das eleições.
Uma candidata a vereadora no estado de São Paulo, que pediu para não ser identificada por ter se sentido intimidada pelo presidente municipal do partido ao questionar a falta de suporte, também relata suas experiências com redes sociais. Como não recebeu recursos da sigla, que só foram repassados para candidatos à reeleição, ela explica que tem feito a campanha pelas redes sociais com auxílio de amigos e familiares.
“Quem faz todo material de campanha sou eu mesma. Nas redes sociais, quem está me ajudando é minha família, meu filho, meus amigos. Eu estou fazendo o material da campanha, estou enviando para eles e eles estão postando e repostando para o maior número de público que eles puderem”, conta.
Poucos recursos para candidatas e prazo
Enquanto muitas candidatas não receberam recurso financeiro algum dos partidos, outras enfrentam a dificuldade do repasse, desde o prazo curto e limitações no gasto até as assimetrias na distribuição. Uma candidata a vereadora em um município paranaense, que preferiu não se identificar, expõe diferenças na distribuição do partido.
No Paraná, a sigla Rede Sustentabilidade destinou aos candidatos a vereador R$ 800 para campanha. Ao todo, o estado recebeu R$ 500 mil. O “nível de hipocrisia”, segundo a candidata, surge quando são comparados os recursos financeiros destinados aos candidatos a vereador em diferentes localidades.
No Rio de Janeiro, onde a presidente nacional do partido disputa vaga na Câmara Municipal da capital, a ex-senadora Heloísa Helena recebeu R$ 1,9 milhão da sigla. “Não, isso não aconteceu no PL, aconteceu na Rede. É um desabafo, não quero de forma alguma prejudicar o partido, mas é muito triste”, diz a candidata paranaense.
Procurado pela reportagem, o porta voz nacional da Rede Sustentabilidade, Wesley Diógenes, respondeu sobre a diferença na distribuição. “Heloísa é uma aposta nacional da Rede Sustentabilidade, está disputando numa capital fundamental, grande territorialmente e populacionalmente. Outras figuras de peso no Rio de Janeiro estão recebendo recursos da mesma monta. Queremos eleger Heloísa e não pouparemos esforços para isso. É estratégico para nós”.
Em outro extremo político, no PL, a candidata a vereadora de Barracão (PR) Patrícia Cleici argumenta que a maior dificuldade no recebimento de recursos é o prazo. Apesar de ter recebido R$ 8 mil da direção nacional do partido do ex-presidente Bolsonaro, ela conta que o valor chegou “muito depois” do início da corrida eleitoral.
“Os recursos, quando eles são destinados, principalmente às mulheres, às candidaturas femininas, eles são destinadas muito depois do início da campanha eleitoral, o que dificulta as mulheres fazerem uma efetiva campanha, porque muitas delas não têm recursos ou apoiadores financeiros para poder custear essas idas, visitas nas residências, até mesmo as contratações de cabos eleitorais de início de campanha”, explica Patrícia.
Além do prazo do recebimento, a candidata ainda revela que o partido limitou os gastos na campanha. Uma porcentagem deveria ser destinada aos materiais coletivos de divulgação. Por ter gastado os recursos recebidos pelo PL, ela teve que “ressarcir” o partido com o valor devido.
“Sobre essa questão do ressarcimento, de fato, quando existe material coletivo em que se pede voto de legenda para todo partido, ou então material, entre aspas, casado entre o candidato majoritário, a prefeito e o vereador, cada um contribui financeiramente. Isso é verdade. A questão é que deve ser opcional. O candidato não pode ser compelido a produzir material integrado”, explica o ex-juiz e advogado eleitoral Márlon Reis.
Jornada Dupla
Outro ponto abordado por Patrícia é a questão da jornada dupla que muitas mulheres enfrentam. Além do trabalho formal, quando voltam para casa, muitas mulheres precisam cuidar dos filhos e afazeres domésticos. Para ela, isso explica a subrepresentação feminina nas eleições, uma vez que juntamente da jornada dupla, surge a campanha eleitoral, muitas vezes sem recursos.
“Normalmente os homens têm profissão, normalmente são casados, então as mulheres cuidam dos filhos para ele, enquanto eles saem na campanha com o dinheiro que já têm. Depois ainda chegam em casa e o almoço está pronto. As mulheres não têm essa disponibilidade, muitas delas não têm recursos guardados, são mães solos, têm que sair, deixar os filhos organizados, a casa, depois sair fazer campanha sem dinheiro, voltar e ainda cuidar de todos os outros afazeres”, argumenta.
Proteção a candidaturas femininas
Segundo levantamento do 72horas, a segmentação por gênero de candidaturas que não receberam recursos financeiros para campanha segue também a distribuição das candidaturas. Assim como 34% das candidaturas registradas no TSE neste pleito são de mulheres, a média de candidaturas femininas por partido que não declararam recebimento de recursos também se aproxima dessa marca.
Confira os números abaixo:
Desde 1997, a própria legislação eleitoral estabelece mecanismos de proteção a candidaturas femininas, como a cota de que ao menos 30% das candidaturas sejam preenchidas por mulheres. A lei ainda determinou que a distribuição proporcional dos recursos, a fim de evitar fraudes.
Em 2022, a exigência foi incluída na Constituição. Assim, nas eleições ao menos 30% dos recursos de financiamento de campanhas e do tempo de propaganda eleitoral devem ser reservados para mulheres.
Para Drica Guzzi, co-fundadora do 72horas.org, em vez de a obrigatoriedade de um terço das candidaturas serem de mulheres funcionar como mínimo, tem sido um teto para os partidos. “Lembrando que esses 30% eram para ser mínimo, o que está acontecendo é que ele vira teto. A maioria dos partidos colocou 33% de mulheres, 34%, 31%, 30%. A gente não passa muito disso”, disse ela durante live do Congresso em Foco.
Além da própria lei, existem iniciativas, como o movimento Vote Nelas, que promove o fortalecimento de candidaturas femininas. Embaixadora no Paraná da iniciativa Vote Nelas, Isabela Lustosa explica que candidatas que estão sem apoio frequentemente procuram a organização. Ela destaca que há dificuldades em acessar recursos partidários e negociar a entrada na política.
“Muitas vezes, faltam planejamento e organização de campanha. O movimento preenche essa lacuna ao oferecer uma rede de suporte que auxilia candidatas com estratégias de comunicação, dicas sobre como se posicionar com liderança e resiliência para enfrentar os desafios da jornada política”, aponta Isabela.
A embaixadora da iniciativa também destaca que outro objetivo do movimento é “sensibilizar a sociedade e os eleitores sobre a importância da representatividade feminina”. Ela também aponta a urgência em educar a população sobre a importância de um voto consciente em mulheres, especialmente em contextos onde o apoio é limitado.
Deixe um comentário