A crise sanitária provocada pela covid-19 escancarou a importância dos semicondutores e os impactos dessa indústria na economia global. Esses pequenos chips estão presentes no nosso dia a dia de diversas formas, desde celulares e computadores, até em itens como carros, cartões de banco e eletrodomésticos.
Com a falta de insumos tecnológicos, diversos segmentos tiveram que parar sua produção e aguardar a chegada de novos semicondutores, o que provocou um aumento expressivo na demanda por chips e escassez de inúmeros produtos em todo o globo.
Também ficou evidente no período uma concentração geográfica na produção de semicondutores. Segundo relatório da TrendForce, empresa de inteligência de mercado nas indústrias de tecnologia, a Ásia é responsável por 91% da capacidade de produção global de semicondutores. Dessa produção, 66% é concentrada unicamente em Taiwan. Portanto, ampliar a participação na cadeia produtiva de semicondutores é uma questão estratégica para qualquer país que queira reduzir a sua dependência externa para esses insumos essenciais.
Criado em 2007, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS) promoveu avanços na indústria brasileira, mas ainda há um grande caminho para percorrer. Atualmente, o Brasil conta apenas com nove empresas no setor em manufatura, encapsulamento e teste (backend), e oito empresas de projeto de circuitos integrados (frontend), concentradas em sua maioria no Sul e Sudeste.
Leia também
Visando o desenvolvimento dessa indústria no país, a Intel realizou, em julho deste ano, o evento “Desafios e oportunidades para o desenvolvimento da indústria de semicondutores no Brasil e no mundo”. As propostas apresentadas no encontro foram unificadas em uma carta aberta, que elenca os caminhos que o país deve seguir para ampliar a sua participação na indústria.
Entre os pontos discutidos estão a criação de uma estratégia de Estado que promova capacitação, retenção de talentos, pesquisa e desenvolvimento, incentivos fiscais e inovação tecnológica para a indústria de semicondutores; e a necessidade de mecanismos de apoio à exportação e a redução de encargos associados.
“Os semicondutores, para além de matéria-prima na produção de diversos equipamentos de tecnologia, são chave para a economia de dados. Desenvolver o setor é fundamental para mais autonomia e crescimento econômico do Brasil no século XXI. Apenas assim o país deterá uma posição de destaque na corrida global pela inovação”, conclui a carta.
Confira a íntegra da carta:
“Carta aberta pelo desenvolvimento da indústria de semicondutores no Brasil
No cenário global atual, a tecnologia desempenha papel fundamental em diversas esferas da sociedade, sendo responsável por avanços significativos em áreas como comunicação, serviços e indústria em geral. Tal importância foi fortemente percebida no transcorrer da crise sanitária provocada pela pandemia do COVID-19. Vários segmentos produtivos sofreram com a descontinuidade no fornecimento de insumos críticos, a exemplo dos semicondutores. Os mais diversos setores produtivos foram afetados, desde a indústria da computação, passando pela automotiva e mesmo linha branca.
Passada a fase aguda da crise, países ao redor do mundo participam ativamente de uma grande e rápida corrida tecnológica em busca de maior resiliência em suas fontes de suprimentos e maior equilíbrio entre os diversos mercados fornecedores de insumos. O processo de globalização das últimas décadas do século XX gerou uma forte concentração de diversas indústrias na Ásia. Segundo relatório da TrendForce, empresa de inteligência de mercado nas indústrias de tecnologia, a Ásia é responsável por 91% da capacidade de produção global de semicondutores (foundries), sendo: 66% de Taiwan, 17% da Coreia do Sul e 8% da China – apenas uma empresa na Ásia detém 54% da produção mundial. Assim, qualquer evento crítico em poucos países asiáticos, com poder de interromper linhas de produção, tem efeito imediato em todo o globo.
A força da indústria de semicondutores pode ser vista através de seus números pós pandemia. Em 2022, segundo o Market Research Future, o mercado global de semicondutores movimentou US$ 574 bilhões, sendo: 30% em comunicações, 26% em informática, 14% em automóveis, 14% em bens de consumo, 14% em indústria e 2% em governo. Nos últimos dez anos, os semicondutores estiveram no centro das inovações tecnológicas, seu mercado dobrou de tamanho e os investimentos na indústria acompanharam esse movimento, gerando um dos ciclos de maior alta desde o desenvolvimento do primeiro circuito integrado.
Diante desse cenário, fica evidente que a participação na cadeia produtiva de semicondutores é uma questão estratégica para o Brasil. Mesmo com todos os avanços promovidos pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores – PADIS, criado em 2007, e com o entendimento da importância da indústria para a nova política industrial nacional, a participação do Brasil nas cadeias globais de semicondutores ainda é tímida. Hoje, o país conta com 9 empresas no setor em manufatura, encapsulamento e teste (backend), e 8 empresas de projeto de circuitos integrados, concentradas em sua maioria no Sul e Sudeste.
Não há operação significativa de manufatura no frontend da cadeia produtiva no país. Por ser uma fase muito mais complexa tecnicamente e cara, o frontend requer grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento, mão de obra altamente especializada e infraestrutura de ponta. Dessa maneira, participar de forma competitiva do frontend da cadeia de semicondutores seria um grande desafio para o Brasil, principalmente considerando o avanço técnico no continente asiático e as limitações orçamentárias nacionais, que dificultam investimentos tão robustos quando os feitos por outros países.
No entanto, apesar da dificuldade de atuação no frontend da cadeia, o Brasil ocupa posição de liderança na América Latina e tem ainda boas oportunidades para ampliar sua participação na indústria. Em discussões realizadas no painel “Desafios e oportunidades para o desenvolvimento da indústria de semicondutores no Brasil e no mundo”, organizado pela Intel, em julho deste ano, diversos palestrantes apresentaram caminhos para o desenvolvimento da indústria no país. Apresentamos a seguir nossas reflexões a partir do que foi exposto pelos debatedores e outros especialistas brasileiros que se dedicam a refletir sobre o tema:
- Semicondutores como prioridade estratégica – Dada a criticidade do domínio das tecnologias associadas à tecnologia de semicondutores, é fundamental a existência de uma estratégia de Estado de longo prazo, coordenada entre os diversos ministérios relevantes, com prioridades e foco, que possam levar o país a uma posição de maior autonomia no setor, abordando – para além da manufatura – capacitação, retenção de talentos, pesquisa e desenvolvimento, incentivos fiscais e inovação tecnológica;
- Inserção internacional – O ecossistema de semicondutores é, por sua própria escala, global. É fundamental atrelar os elos internos já existentes à dinâmica internacional, levando ganhos de competitividade e desempenho às própias empresas aqui instaladas. Nesse sentido, mecanismos de apoio à exportação, como financiamentos a operações com clientes internacionais, redução de encargos associados e mesmo eventuais subsídios, podem ajudar a robustecer nosso parque industrial, estimulando o adensamento da cadeia no país;
- Parcerias – Considerando os diferentes níveis de especialização dos países, é interessante que o Brasil estabeleça parcerias com outros esforços nacionais e segmentos industriais complementares para se posicionar favoravelmente em relação aos investimentos estrangeiros implicados no rebalanceamento regional das cadeias de semicondutores. Essas parcerias podem ser para subsidiar investimentos, transferência direta de tecnologia ou apoio a estudos e pesquisas;
- Fortalecimento do parque de backend – Mesmo sendo uma etapa onde o Brasil já atua de forma consolidada, ainda há espaço de expansão no mercado. Os Estados Unidos, por exemplo, têm apenas 5% do backend em seu território e vem tentando transferir o restante para países mais próximos e independentes das pressões da China, como o México, Costa Rica e Brasil;
- Expansão da capacidade de projetos – Outro ativo nacional importante é a rede de desenvolvedores estabelecida. É importante a ampliação dessa rede, com formação de novos projetistas e engajamento das design houses locais em encomendas internacionais para sua efetiva inserção nas cadeias globais do segmento;
- Insumos críticos – O país conta com matérias-primas importantes para a indústria de semicondutores. É importante o adequado mapeamento desses elementos e desenho de uma estratégia de exploração que busque uma maior agregação de valor.
Os semicondutores, para além de matéria-prima na produção de diversos equipamentos de tecnologia, são chave para a economia de dados.
Desenvolver o setor de semicondutores é fundamental para mais autonomia e crescimento econômico do Brasil no século XXI. Apenas assim o país deterá uma posição de destaque na corrida global pela inovação.