A mudança de expectativa quanto à postura ambiental do Brasil já começa a ser perceptível na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27, que acontece no Egito. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva desembarca hoje na cidade de Sharm El Sheikh, onde acontece a COP. Na quinta-feira, ele estará presente no Brazil Climate Action Hub, o espaço da sociedade civil organizada brasileira na área ambiental na conferência. Nesta segunda-feira (14), essa mudança de expectativa ficou clara, diante da previsão do coordenador geral do MapBiomas, Tasso Azevedo, de que o Brasil poderá vir a se tornar o primeiro país a zerar as emissões líquidas de gases do efeito estufa (GEE) até 2040.
Para Azevedo, essa possibilidade é real. Ele participou do painel “Uso da terra no Brasil: vilão, vítima ou herói da crise climática?” Segundo Tasso, o fato de o Brasil ter a maior parte de suas emissões ligada ao uso da terra, o que inclui desmatamento e fogo associado, e às atividades agropecuárias torna viável neutralizar com “relativa rapidez” a liberação dos gases que aumentam a temperatura do planeta. No caso, tal possibilidade só implicaria um real compromisso com o país com a questão ambiental. O que parece tornar-se agora possível com a mudança no governo. Em seu discurso de vitória, Lula reiterou o compromisso com o desmatamento zero na Amazônia.
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“Se eliminarmos as emissões por uso da terra, dá uma redução de 77% nas emissões brasileiras em relação a 2005. Se considerarmos a variação de carbono no solo por manejo de pastagem, podemos tirar mais 230 milhões de toneladas, que são absorvidas nos solos agrícolas. E se acrescentarmos nessa conta que é possível reduzir 200 milhões de toneladas de metano, nossas emissões praticamente seriam residuais. Lembrando ainda que, quando reduzimos o desmatamento, isso aumenta a regeneração e, por consequência, a absorção de gases. É muito possível o Brasil ser o primeiro país com emissões líquidas zeradas, em algum momento entre 2030 e 2040”, disse o coordenador geral do MapBiomas.
Participaram do painel Ane Alencar, diretora de Ciência no Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do MapBiomas Fogo, e Michael Coe, diretor do programa Amazônia no Centro de Pesquisa do Clima Woodwell, com moderação da diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ana Toni. “As florestas tropicais, principalmente a Amazônia, podem fazer parte da solução ou do problema, evitando ou não a elevação em meio grau da temperatura do planeta”, afirmou Ana Toni. “Importante ressaltar que o Brasil sabe como trabalhar para a redução do desmatamento. Já fez antes. A eleição deste ano nos dá a oportunidade de mudar o cenário. Temos ciência. Temos propostas, sabemos como fazer, mas tem que chegar lá na ponta e começar a implementação das medidas rapidamente”, completou a diretora do iCS.
O Brasil, que está entre os cinco maiores poluidores, emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de carbono equivalente em 2021. Foi o maior aumento em 19 anos, de 12,2% comparado ao ano anterior. A medida do carbono equivalente representa a soma do efeito superaquecedor de todos os tipos de gases do efeito estufa na atmosfera. As emissões nos outros grandes poluidores, como Estados Unidos, China e Rússia, estão mais atreladas à queima de combustíveis fósseis.
Ar-condicionado do planeta
Florestas e outros tipos de vegetação nativa – como savanas, tundras e áreas alagadas – guardam estoques de carbono acima e abaixo do solo. De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), florestas tropicais como a Amazônia podem estocar cerca de 243 toneladas de carbono por hectare. A cada ano, todas as florestas do mundo absorvem em torno de 15,6 bilhões de toneladas de carbono – quantidade equivalente a três vezes as emissões anuais dos Estados Unidos -, mas quase metade (8,1 bilhões) volta à atmosfera por conta do desmatamento, fogo e degradação.
“Cerca de 25% das emissões são retiradas da atmosfera pelas florestas tropicais. Com isso, elas resfriam o planeta. São como aparelhos de ar-condicionado naturais. Se a gente remove toda floresta tropical no planeta, isso vai aumentar em 1°C a temperatura média global, por conta da diminuição da umidade e do efeito resfriamento. Então elas nos prestam um grande serviço”, concluiu Michael Coe, diretor do programa Amazônia no Centro de Pesquisa do Clima Woodwell. Os bilhões de toneladas de gases do efeito estufa em curto período causam o superaquecimento.
Com o desmatamento de vegetações nativas e a degradação da área no entorno de queimadas associadas ao desmate, todo o carbono acumulado nas raízes e na estrutura das árvores e plantas retorna para a atmosfera. “Esse é o legado que o governo Lula vai herdar. O desmatamento que está ocorrendo no governo Bolsonaro vai entrar na conta da primeira taxa de desmatamento que o governo Lula vai soltar, e olha que já está alta, e o ano não terminou. Se parasse para contabilizar agora, o desmatamento da Amazônia até outubro já seria praticamente equivalente à taxa de 2016/2017 inteira”, comentou Ane Alencar, diretora de Ciência no Ipam e coordenadora do MapBiomas Fogo.
A área desmatada em 2021 na Amazônia Legal foi de 13.038 quilômetros quadrados, a maior desde 2006, quando o desmatamento estava em queda desde os 27.772 quilômetros quadrados desmatados em 2004. Como consequência, as emissões por desmatamento aumentaram 20% no país.