A cara compungida parecia algo premeditada. Em entrevistas a um pool de podcasts de inclinação evangélica, o presidente Jair Bolsonaro falava de cabeça baixa, sem olhar diretamente para a câmera. “Se essa for a vontade de Deus, eu continuo. Se não for, a gente passa aí a faixa e vou me recolher, porque, com a minha idade, não tenho mais nada a fazer aqui na terra se acabar minha passagem pela política em 31 de dezembro do corrente ano”.
Bolsonaro tem 67 anos. Se perder agora para Lula, daqui a quatro anos teria 71 anos. Ainda seria cinco anos mais novo que a idade que seu principal adversário, favorito para vencer agora, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, tem neste momento. Ou seja: houve aí uma intenção de, de raspão, dar também uma alfinetada em Lula.
Veja o comentário em vídeo:
Mas a verdade é que a entrevista, dada no final da noite de ontem, logo depois da divulgação da última rodada da pesquisa do Ipec, mostrou claramente que Bolsonaro sentiu o golpe. De acordo com o Ipec, Lula subiu dois pontos, de 44% para 46%, e Bolsonaro estacionou no mesmo patamar de 31%. Lula teria hoje 51% dos votos válidos. Ou seja, se a eleição fosse hoje, ele derrotaria Bolsonaro no primeiro turno.
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Há outros momentos da entrevista que mostram como Bolsonaro sentiu o golpe. Houve uma sucessão inédita de arrependimentos. Bolsonaro arrependeu-se das sandices que declarou durante a pandemia de covid-19. E chamar de sandice não parece uma impropriedade diante do que o próprio Bolsonaro afirmou. “Aloprei”, foi o verbo que ele usou. Segundo o dicionário, aloprado é um sujeito “amalucado, adoidado, desatinado”. Ou seja, segundo Bolsonaro, o que ele disse na covid-19 foram sandices mesmo.
Mais adiante, Bolsonaro reconheceu ter sido também um erro ter falado que o nascimento de sua filha foi “uma fraquejada”. “Pisei na bola”, afirmou.
Ficou claro que Bolsonaro reconhece a essa altura alguns dos pontos onde seu calo aperta. É difícil para ele reverter o espetáculo de desatinos que cometeu durante a pandemia. E, nesse sentido, tem até sorte: o tema não tem sido até agora muito explorado na campanha, poderia ser muito mais, dado o festival de vídeos e declarações que existem. Seu comportamento machista e misógino é algo que ele não consegue controlar, como já demonstrou em diversas ocasiões: provocado por mulheres, Bolsonaro estoura, e não estoura da mesma forma quando é provocado por homens.
Há um terceiro ponto no qual não há autocrítica de Bolsonaro, e provavelmente não haverá. As denúncias de corrupção, pessoais e no governo. E, nesse sentido, certamente não fará bem à sua campanha o lançamento nos próximos dias do livro da jornalista Juliana Dal Piva, do UOL, “O Negócio do Jair”, detalhando todos os esquemas de rachadinhas e outros negócios mal explicados da família Bolsonaro.
No debate da Band, Bolsonaro partiu para cima de Lula com questões de corrupção. E Lula o ajudou nada rebatendo. Desde, então, porém, a coisa mudou. A campanha petista começou a explorar questões como a compra dos imóveis em dinheiro vivo. E Lula, como mostrou na entrevista na noite de segunda-feira (12), ao jornalista William Waack na CNN, começou a dar melhores respostas sobre tais questões, até admitindo a existência de corrupção nos governos petistas, que só puderam ser punidas porque houve denúncia e investigação, ao contrário de hoje, na visão de Lula, quando a tudo se aplica sigilo de cem anos.
A verdade é que a pesquisa do Ipec joga um balde de água gelada nas pretensões de Bolsonaro. Nos melhores momentos demonstrados nas pesquisas há poucos dias, ele até conseguiu algum pequeno crescimento. Mas Lula demonstrou imensa resiliência nos percentuais que acumula desde o ano passado. O máximo que Bolsonaro demonstrava era a possibilidade de ir ao segundo turno – que ainda parece bem provável. Se a tendência dos próximos dias for a que demonstrou agora o Ipec, o arsenal de truques de Bolsonaro pode ter se esgotado.