Desta vez, o ambiente parecia propício para que Jair Bolsonaro, do PL, candidato à reeleição, brilhasse. Afinal, estava em uma emissora que é simpática a ele. Mas Bolsonaro não tem a menor compreensão do que seja o trabalho da imprensa. Não consegue compreender que questionamentos podem, inclusive, ser oportunidade para explicações, para esclarecimentos. Mas Bolsonaro não gosta de ser questionado. Não gosta especialmente de ser questionado por mulheres. O título do best-seller do sueco Stieg Larson cola nele como incômodo epíteto. Bolsonaro é “O Homem que não Amava as Mulheres”.
Desde o início da pergunta de Amanda Klein na entrevista da Joven Pan, Bolsonaro foi se comportando da mesma forma que fizera com Vera Magalhães no debate da Band. Seu rosto primeiro se crispou. Seus lábios de contraíram, formando uma linha fechada e mínima. E, então, o ataque misógino repetiu-se.
A pesquisa Ipec divulgada na segunda-feira (5) trouxe más notícias para Bolsonaro. Se é verdade que seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, segue estacionado, isso também vale para ele. Agora, talvez com um preocupante viés de baixa. Bolsonaro caiu um ponto percentual com relação ao levantamento anterior. Mas especialmente é enorme a rejeição que Bolsonaro tem entre as mulheres. E de nada parece ter adiantado até o momento ele colocar Michelle Bolsonaro na campanha.
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A pesquisa do Ipec, a primeira a medir inteiramente os efeitos do debate da Band, mostra que Bolsonaro perdeu três pontos percentuais junto ao eleitorado feminino. Antes, sua preferência entre as mulheres já era de apenas 29%. Agora, é de 26%.
Agora, é verificar o peso do mais novo ataque. Que se soma a um outro feito à apresentadora Gabriela Priolli. Ao atacar Gabriela, Bolsonaro queixou-se que as mulheres se valem da sua “condição biológica” como reação a ataques. Vai na mesma linha do ataque que fizera no debate da Band à candidata do MDB, Simone Tebet, que, segundo ele, agiria com “vitimismo”.
Mulheres não fazem “vitimismo”. Mulheres são vítimas. Vítimas há séculos. De determinada visão cristã ocidental que as coloca como culpadas pelo pecado original. De determinada visão que as coloca como intelectualmente inferiores, submissas a seus maridos. Visão que a grande maioria das mulheres não mais aceita. Mesmo aquelas mulheres do círculo que Bolsonaro considera que domina.
PublicidadeBoa parte das mulheres evangélicas vive o mesmo drama das demais. Provenientes das camadas mais pobres da população, comandam seus núcleos familiares. A lógica que, por essa razão, determinou que os cartões do Bolsa Família e agora do Auxílio Brasil sejam entregues às mulheres é essa. Essas mulheres, na sua vida prática, não aceitarão que quem determina o que fazem ou deixam de fazer sejam os homens.
E eis porque, então, o que Bolsonaro disse a Amanda Klein agride às mulheres todas. “Seu marido vota em mim. Não sei como é o teu convívio com ele na tua casa”, respondeu Bolsonaro. Passando, portanto, uma visão de que a posição do homem na casa é que é definidora. Que a mulher deve ser obediente a essa posição. O homem manda, e a mulher obedece.
Com muita coragem e propriedade, Amanda replicou que a vida particular dela não estava ali em questão. E Bolsonaro cometeu, então, seu segundo erro. “E a minha vida particular está em pauta por quê?” Além de não amar as mulheres, Bolsonaro não compreende a sua posição como agente público. Ao se candidatar ao posto mais alto do serviço público brasileiro, Bolsonaro abriu mão de determinada privacidade. Não é por outra razão que ele precisa declarar seus bens à Justiça Eleitoral, por exemplo. Sua vida deve ser transparente. Ele está sob o escrutínio da nação. A vida particular de Amanda Klein só interessa a ela. A vida particular de Bolsonaro interessa aos mais de 200 milhões de brasileiros.
Bolsonaro comete, então, um terceiro erro. Pouco importa o que pensa e como se posiciona a cidadã Amanda Klein. Como ela irá votar no dia 2 de outubro é coisa que só interessa a ela. Algo que não deve de forma alguma contaminar a sua postura de jornalista. Siga ela ou não siga a pretensa posição política de seu marido. Como disse Millôr Fernandes no texto de apresentação da primeira edição do Pasquim, “não existe jornalismo a favor”. Ele completou: “O resto é armazém de secos e molhados”. Ou seja: onde se pratica jornalismo a favor, todos os produtos do balcão estão à venda, como acontece no armazém.
E o quarto ponto importante dos ataques misóginos a Vera e Amanda é que eles prestaram aos opositores de Bolsonaro o caminho claro de saber quais são os temas que incomodam ao presidente. Vera perguntou sobre os equívocos na condução da pandemia. Amanda sobre casos de corrupção que atingem Bolsonaro e sua família.
Na resposta que vem dando sobre os apartamentos comprados pela família com dinheiro vivo, Bolsonaro vem sacando como resposta a suposta responsabilidade de cunhados e ex-mulheres. Durante anos, os bolsonaristas fustigaram Lula pelo fato de ele responder que o Sítio de Atibaia não era dele, mas de “um amigo”. Será que Bolsonaro não percebe que zera o jogo quando diz que o apartamento não é dele, mas de “um cunhado”? Talvez ele perceba. É o que lhe afeta os nervos…