No mês passado, nós já tínhamos registrado por aqui os ensaios de distanciamento do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, daquele que é ao mesmo tempo o seu maior trunfo e maior dor de cabeça, o paradoxal Jair Bolsonaro. Depois, outros jornalistas e articulistas também contaram o mesmo. A história das joias em nada ajudou uma reaproximação. Pelo contrário, Valdemar segue no momento querendo distância de Bolsonaro.
Historiemos essa complicada relação entre Bolsonaro e Valdemar. Certamente, não passava pela cabeça do presidente do PL que seria uma relação fácil. O primeiro dado nesse sentido eram as dezenas de mudanças de partido de Bolsonaro ao longo da sua carreira política, indicando que identificação partidária não era exatamente a sua praia. O rompimento com o PSL após as eleições de 2018 só reforçava isso.
Mas, ao filiar Bolsonaro, Valdemar deu o grande salto político da sua vida. Deixou de comandar um partido médio para passar a comandar o maior partido do país. Elegeu as maiores bancadas tanto da Câmara como do Senado. Agora nem tem mais a maior bancada do Senado, com mudanças que aconteceram depois. Mas logo após as eleições do ano passado, assim era.
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Junto, porém, com os votos, veio Bolsonaro. E sua companhia limitada: filhos, bolsonaristas, etc. E Valdemar viu-se obrigado a conviver com isso. Segundo interlocutores do PL, uma relação complicada. Nos Estados Unidos, Valdemar não consegue contato com Bolsonaro. Nada consegue combinar com ele. Quando Bolsonaro se instalou na casa do ex-lutador de UFC José Aldo, Valdemar nem sabia que esse era o seu destino. Estranhou. Achava que Bolsonaro iria apenas passar o réveillon no hotel de Donald Trump em Mar a Lago. Para onde ele nem foi.
No início, Valdemar desejava que Bolsonaro voltasse logo dos Estados Unidos para começar a liderar a oposição ao governo Lula. O plano de Valdemar é eleger no ano que vem pelo menos 900 prefeitos. E inicialmente contava com o ex-presidente como seu principal cabo eleitoral.
Então, veio primeiro a condenação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes contra o PL por litigância de má fé por ter contestado o resultado da eleição presidencial. Valdemar viu o seu milionário fundo eleitoral ficar bloqueado para pagar a multa imposta por Alexandre. Valdemar não esconde que se arrependeu amargamente de ter patrocinado a ação.
PublicidadeEm seguida, vieram os atos golpistas e as cenas de vandalismo do 8 de janeiro. A partir desse momento, Valdemar começou a aconselhar Bolsonaro a ficar distante do país. E trabalhar para se descolar dos atos golpistas e das contestações ao resultado que ultrapassassem a fronteira para o que fosse discurso antidemocrático.
É nesse momento que Valdemar começa a olhar para Michelle Bolsonaro como alternativa política. Como ele mesmo diz, Michelle poderia vir a ser um Bolsonaro sem os problemas de Bolsonaro. Alguém que representaria todo o ideário de direita sem a rejeição do ex-presidente. Além de ser mulher, um ativo importante. Evangélica, sem o perfil típico das mulheres evangélicas.
Diante de certa desconfiança que já crescia de que Bolsonaro talvez acabe condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seja declarado inelegível, Michelle era o plano B acalentado por Valdemar.
A história das joias presenteadas pelo governo saudita obriga Valdemar a novamente refazer os seus cálculos. Porque agora a coisa passou a respingar também em Michelle. Por isso, a estratégia do presidente do PL passou a ser classificar o novo rolo como “um problema da família”.
O rolo é um bocado grande. O casal Bolsonaro recebeu do governo saudita dois estojos de joias. Um estojo masculino e um estojo feminino. Fica óbvio, portanto, que um era destinado a Bolsonaro e outro a Michelle. E os dois conjuntos de joias entraram no Brasil sem serem declarados à Alfândega. O estojo para Michelle acabou sendo descoberto pelos fiscais da Receita na entrada no país na mochila do sargento Marcos André Soeiro, assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque. Guardadas de forma tão descuidada que uma linda estatueta de ouro de um cavalo quebrou dentro da mochila. Os bens milionários não foram declarados. A intenção era evidentemente entrar com as joias de forma contrabandeada.
Daí, descobre-se que o outro estojo com as joias masculinas já tinham passado. E, por alguma razão no mínimo estranha, tinham ficado no Ministério de Minas e Energia. E não no acervo da União, como bens públicos que eram. Por que todo esse esforço para entrar com as joias ilegalmente? A intenção de Bolsonaro era ficar com elas? Ele com as peças masculinas e Michelle com as femininas?
Em princípio, Valdemar segue com seu propósito de alavancar Michelle. No dia 21 de março, em princípio é a posse dela como presidente do PL Mulher. Para depois começar a correr o país no cargo em busca de outras mulheres candidatas para disputar as eleições do ano que vem.
O “em princípio”, no entanto, a essa altura é importante. Se lá atrás Valdemar desejava a volta rápida de Bolsonaro e hoje quer distância dele, a mesma situação com relação a Michelle pode ser coisa a ser observada. Se os rolos continuarem…