Helena Martins e José Maria Monteiro*
Suspeição sobre urnas e ataques a Lula são temas cada vez mais frequentes no debate eleitoral nas redes sociais. A tentativa é produzir um ambiente crítico ao candidato petista que segue liderando as pesquisas e desacreditar sua vitória. Na reta final da campanha, tais conteúdos são também utilizados para engajar o eleitorado, reanimando o sentimento antipetista. Embora essa mobilização não pareça se refletir nas pesquisas, como mostra a estagnação de Jair Bolsonaro, ela pode fragilizar a democracia.
Os ataques foram mapeados pelo Farol Digital, da Universidade Federal do Ceará (UFC), parceiro do Observatório das Eleições. O grupo acompanhou a conversação em 266 grupos de WhatsApp de direita, entre os dias 21 e 28 de setembro, dos quais 166 registraram atividade no período. Ao todo, foram analisadas 8.384 mensagens, sendo que a maior parte delas (64,39%) continham mídia, ao passo que uma parcela menor (35,61%), apenas texto.
Além das fake news sobre o sistema eleitoral, os conteúdos mais repetidos em diferentes grupos são sobre questões constantes no repertório bolsonarista. Uma delas, sobre Adélio Bispo, o autor da facada contra Bolsonaro em 2018, que teria concedido uma entrevista à Rede Globo que teria sido proibida pela Justiça de circular durante o período eleitoral (19 grupos com a mesma mensagem e em mais 16 com conteúdo muito semelhante). Outra, de suspeição em relação à urna eletrônica (28 grupos com textos variados sobre o tema), com destaque que convoca os eleitores a fotografarem seus votos para que seja realizada uma contagem manual. A suposta entrevista de Adélio à Globo é falsa, conforme a agência de checagem Aos Fatos, que identificou que “a publicação tinha centenas de visualizações e compartilhamentos no Facebook e mais de 1.600 compartilhamentos no Instagram nesta terça-feira (27)”. Os ataques às urnas também têm sido frequentemente rechaçados pelos órgãos competentes, mas seguem circulando nas redes.
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Ataques à justiça, atrelamento de Lula a práticas de corrupção e temor em relação ao comunismo (a partir de referências ao Chile e à China) são outros temas frequentes. O Amazonas é o estado que segue mais comentado nessas mensagens, a partir da divulgação de agendas e propostas de candidatos bolsonaristas.
Revelando que o compartilhamento de conteúdos sobre eleições é uma estratégia de engajamento comercial, outras duas postagens que mais apareceram em diferentes grupos (37 e 25 grupos) têm como chamada “Pesquisa eleitoral para presidente da República em 2022”, mas na verdade levam o internauta para o site “Finanças Web”, que se apresenta como site com informações sobre cartões de crédito e negociações no mercado financeiro brasileiro.
PublicidadeO terceiro link bastante compartilhado (23 grupos) direciona para um site de enquete que apresenta Jair Bolsonaro em primeiro lugar entre os presidenciáveis. O engajamento com esses conteúdos tem a ver com a disputa em torno das informações que circulam sobre as pesquisas. Todos os institutos tradicionais, como Ipec, mostram Lula em primeiro lugar nas sondagens, o que o bolsonarismo tenta desacreditar, valendo-se, para isso, também de outras fontes.
É interessante notar que o número de vezes que as principais mensagens apareceram em diferentes grupos é bem maior do que o que vimos ao longo da semana do 7 de setembro. naquele momento, a mensagem mais “viral” havia aparecido em apenas 12 grupos. Isso mostra uma intensificação da estratégia de compartilhamento de desinformação, o que é revelado também quando observada a atividade de usuários individuais. Em uma semana, o usuário mais ativo, com número registrado no Amazonas, enviou 392 mensagens. Conteúdos enviados por chips estrangeiros também foram mais visualizados. Vale destacar o caso de um número registrado na Argentina, com 174 mensagens enviadas na semana, e outro, norte-americano, com 97 mensagens.
A atividade desses usuários é bastante superior à dos demais, como o gráfico abaixo mostra, o que é um indício de ação automatizada.
Quando mapeados apenas os links compartilhados, vemos a predominância de convites para grupos do Telegram. Além do chamado para um canal de direita em geral, há convites para grupos que reúnem apoiadores de Bolsonaro por estado. Cada link com a informação estadual circulou 83 vezes. Apenas uma conta alinhada a Lula, do jornal A Postagem, tem destaque entre os mais compartilhados.
A estratégia bolsonarista de compartilhamento de links de canais e sites desinformativos também foi identificada pela agência Aos Fatos. Entre 16 de agosto e 19 de setembro, a agência acompanhou 578 comunidades de Telegram e 285 grupos de WhatsApp e verificou que links para sites considerados hiperpartidários (conceito adotado pela agência para se referir a sites desinformativos como Terra Brasil Notícias e Pleno News) foram compartilhados ao menos 40.796 vezes. Aos Fatos alerta que o compartilhamento desses links se dá com a monetização de sites por meio de anúncios automáticos no Google AdSense, o que mostra ineficácia das plataformas no combate às fake news.
Com diferentes estratégias e mobilizando todo um ecossistema midiático, portanto, o bolsonarismo tenta repetir o clima de 2018. O domingo e os dias seguintes serão determinantes para sabermos o quanto esse tipo de procedimento é capaz de ameaçar a democracia no Brasil.
*José Maria Monteiro é professor de Computação da Universidade Federal do Ceará, coordenador do Farol Digital.
Helena Martins é professora da UFC. É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.
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