No dia 30 de agosto de 2024, escrevi um texto com o seguinte título: “A pandemia das casas de apostas online e os malefícios decorrentes”. Naquele escrito afirmei: “Convivemos com pandemias de várias naturezas. Temos, entre outras, pandemias de vírus (coronavírus, por exemplo), de deficiências de magnésio e ‘vitamina’ D, de golpes virtuais, de obscurantismo político e de distúrbios mentais (ansiedade e depressão, entre outros). Recentemente, uma nova pandemia invadiu os lares dos brasileiros. Trata-se da verdadeira invasão de casas de apostas online (as bets)”.
Listei, entre outras, as seguintes consequências negativas da invasão das bets: a) intensa e apelativa propaganda midiática; b) crescimento em alta velocidade do número de apostadores, notadamente jovens das classes de baixa renda; c) forte risco de redução do poder de compra dos consumidores; d) comprometimento do faturamento do setor de varejo; e) perversos impactos sobre a saúde mental dos apostadores; e f) possível utilização da atividade para lavagem de dinheiro.
Afirmei, concluindo o texto citado: “Parece fora de dúvida que a sociedade brasileira, em particular seus segmentos mais vulneráveis, está submetida, de forma indevida, a extrema agressividade das casas de apostas on-line. A busca por ganhos financeiros (enormes, diga-se de passagem) não pode ser efetivada com a realização de todos os malefícios mencionados. Em suma, a atividade econômica no Brasil não pode ser uma espécie de vale tudo por dinheiro”.
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Não custa lembrar uma importante definição da Constituição brasileira. O seu art. 220 estabelece expressamente que é preciso proteger a pessoa e a família de “produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde”. Nesse sentido, são urgentes as providências para restringir, com intensidade, o nocivo avanço das apostas on-line. Um capítulo especial das ações de combate envolve a propaganda dessas atividades (um verdadeiro canto de sereia).
Um aspecto particularmente perverso da “pandemia das bets” ganhou contornos bem precisos com dados divulgados pelo Banco Central do Brasil. Foram essas as informações que acenderam o debate em relação as apostas on-line: a) “O Banco Central (BC) divulgou uma nota técnica na terça-feira passada que traz um dado ainda mais chocante sobre a presença cada vez mais perniciosa das chamadas “bets” na vida dos brasileiros. De acordo com a autoridade monetária, em agosto, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família – cerca de 20% do total de atendidos pelo programa social – deram R$ 3 bilhões para as plataformas de apostas online apenas por meio de transferências via Pix” (fonte: estadao.com.br) e b) “O Banco Central (BC) estima que cerca de 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas, em agosto, realizando ao menos uma transferência via Pix para empresas. O volume enviado para as bets alcança a cifra de R$ 20,8 bilhões, enviados para 56 empresas identificadas pela autoridade monetária” (fonte: valorinveste.globo.com).
Assim, surgiu, com chancela institucional explícita, mais um importante mecanismo de transferência de riquezas da imensa maioria da população para uma meia dúzia de endinheirados. É impressionante como a sociedade brasileira é pródiga na construção desses instrumentos.
Em outros escritos, destaquei uma boa parte desses expedientes de transferência de rendas que fariam Robin Hood morrer de raiva. Entre eles figuram: a) juros da dívida pública; b) benefícios fiscais; c) subsídios; d) operações compromissadas; e) swap cambial; f) formação de reservas monetárias e g) uso de cartões de crédito e de débito.
Neste caso das apostas on-line, promovidas por uma multidão de bets, alcançamos o ápice do surrealismo. Parte significativa da renda transferida para as casas de apostas pelos segmentos mais sofridos da população brasileira é subtraída dos gastos com alimentos. Trata-se de uma realidade profundamente perversa. Uma propaganda extremamente agressiva e sem limites, realizada por inúmeras celebridades, gera a ilusão de que é viável melhorar de vida com o resultado das apostas. As tristes consequências, depois de algum tempo, são frustrações, dívidas e redução do que já era pouco em termos financeiros.
Para se ter uma mínima noção da extensão do problema basta verificar o número de sites de apostas on-line que o governo federal pretende bloquear ainda no mês de outubro de 2024. Segundo declaração de Fernando Haddad, Ministro da Fazenda, cerca de 2 mil endereços eletrônicos, mantidos por bets irregulares, “vão sair do ar”.
A farra das bets coloca em xeque a natureza e as verdadeiras intenções do governo de plantão (Lula 3). Não são poucas as vozes que destacam dois aspectos emblemáticos. O primeiro deles envolve os objetivos arrecadatórios com enorme desprezo pelos malefícios antes mencionados. O segundo ponto ressaltado considera a leniência com uma fortíssima propaganda que captura a atenção e as esperanças dos segmentos mais vulneráveis da sociedade brasileira.
Recentemente, o governo federal atuou com firmeza ao editar a Portaria MJ n. 351/2023. O ato em questão “dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para fins de prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais”.
No contexto da adoção da referida portaria, circulavam conteúdos profundamente nocivos nas plataformas de redes sociais. Observava-se, com aguda preocupação, incentivos a ataques em ambiente escolar e apologia e incitação a essas ações criminosas. Em relação à pandemia das bets e suas nefastas consequências, o governo federal ensaia tímidas providências.
No Brasil atual, dezenas de milhões de pessoas estão privadas de direitos fundamentais básicos, como emprego, moradia e alimentação. Efetivamente, não existe vida minimamente digna para uma parte significativa da sociedade brasileira. Nesse ambiente socioeconômico, os jogos de azar devem ser proibidos ou funcionar submetidos a fortíssimas restrições e fiscalizações.
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