Na terça-feira (22), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sinalizou com total clareza: é muito remota a possibilidade de o Congresso vir a aprovar uma autorização de caráter permanente para que o Executivo exclua do teto de gastos suas despesas na área social. A declaração de Pacheco não surpreendeu os integrantes da equipe de transição que negociam a PEC da Transição. Eles já tinham mapeado que muito provavelmente esse ponto da proposta que enviaram ao Legislativo não iria passar.
Se desde o início tal possibilidade já era difícil, as dificuldades teriam aumentado com as seguidas declarações dadas pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que foram interpretadas pelo mercado financeiro e por economistas como um sinal de que poderia vir a menosprezar a responsabilidade fiscal em favor da questão social.
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Os tempos em que o Brasil tinha a maior dívida externa do mundo ainda permanecem na memória das gerações mais antigas. Era o tempo em que o país tinha de se socorrer seguidamente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e quando, em contrapartida, precisava aceitar que o FMI se imiscuísse na gestão das suas contas. Um pequeno restaurante self-service da 202 Sul, em Brasília, chegou a ficar famoso na época porque, perto do Banco Central, era o local no qual as delegações do FMI, que viviam acampadas no Brasil, iam almoçar.
Era também o tempo em que o Brasil, para pagar seu endividamento, girava a maquininha de fazer dinheiro, provocando hiperinflação. Uma situação que o país resolveu. Ainda que muitos considerem que a regra do teto de gastos instituída por emenda constitucional em 2016 seja por demais rigorosa, uma autorização permanente para gastos além da responsabilidade fiscal é considerada um cheque em branco que o Congresso não entregará ao governo.
Por outro lado, o mapeamento da PEC aponta para um grande consenso da necessidade de encontrar uma forma de garantir no ano que vem o pagamento do Bolsa Família no valor de R$ 600. Mesmo os aliados do presidente Jair Bolsonaro parecem concordar com isso, uma vez que ele próprio também prometeu em sua campanha que manteria esse valor caso fosse eleito. O problema é que ele não previu esse gasto na proposta de orçamento que enviou para o Congresso, que só garante pagamento de R$ 405 para o benefício.
Assim, encontrar espaço para o pagamento do valor maior não deverá ser maior problema. Assim como para o pagamento de um aumento real para o salário mínimo. A partir daí, a negociação já se torna mais fina. Não há a mesma garantia para o acréscimo de R$ 150 para as crianças entre zero e seis anos. Nem para a inclusão de outros gastos em saúde e educação.
De acordo com uma fonte da transição, o limite a ser autorizado pela PEC varia dos R$ 175 bilhões da proposta ideal a até R$ 70 bilhões, que seria o valor mais pessimista que está sendo avaliado. É a ideia da PEC alternativa que está sendo proposta pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). Segundo Vieira, ela garantiria o Bolsa Família de R$ 600 e o acréscimo de R$ 150 para as crianças menores.
No caso da autorização para a ultrapassagem do teto, as negociações também variam do ideal, que seria a permissão permanente, até uma permissão emergencial apenas para o ano que vem, primeiro ano de governo. A negociação intermediária prevê uma autorização para todos os quatro anos de mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Âncora fiscal
Na terça-feira, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, coordenador da transição, afirmou que o novo governo não é contrário à responsabilidade fiscal nem quer autorização para, assim, tornar-se irresponsável. Assim, aceita construir uma nova proposta de âncora fiscal que substitua o teto de gastos.
Alckmin, porém, afirmou que essa alternativa não viria a ser discutida agora, ao mesmo tempo que a PEC, mas em um segundo momento. De acordo com o vice eleito, haveria agora uma situação mais urgente, emergencial, a ser resolvida.
Nos bastidores do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), porém, admite-se que uma nova alternativa de âncora fiscal possa surgir na negociação com o Congresso. Ela não seria nesse caso, então, sugerida pelo novo governo, mas poderia vir a ser construída na negociação.
A expectativa é de que a PEC comece a ser discutida ainda esta semana. O relator do orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI) chegou a estimar a data de 29 de novembro para a aprovação da PEC no Senado. Essa data, porém, é considerada muito exígua. Depois, ela terá de tramitar na Câmara.
Para ser aprovada, uma proposta de emenda constitucional precisa ser aprovada em cada Casa do Congresso por três quintos dos parlamentares, em duas rodadas de votações.