Começando pelas origens da República, o termo vem do latim Res Publica, e significa “coisa pública ou do povo”. Mas, o que seria “povo”? De acordo com o pensador Cícero, “povo” é o conjunto razoável de homens associados entre si por um consenso de direito baseado em leis, formado a partir de interesses e fins comuns, em detrimento dos interesses e fins privados, e que reflitam a vontade dessa coletividade de cidadãos.
A República se trata de uma forma de organização política da sociedade, que foi originada na Roma Antiga. Curiosamente, lá, assim como no Brasil, a República deu-se por instalada a partir de um golpe. Na Roma Antiga, segundo Maquiavel, o golpe foi patrocinado pela aristocracia patrícia – pelos “nobres”, marcando o fim da monarquia. E, aqui no Brasil, o golpe foi dado por militares, sem presença popular e com o apoio das elites agrárias paulista e mineira, marcando o fim do Império. Contraditoriamente, nos dois casos, o tal povo não foi protagonista na fundação.
Quanto ao Senado, sua origem na História também remonta à Roma Antiga, no período da monarquia, como uma organização formada por um conselho de ex-reis, permanecendo nas fases seguintes da República e do Império Romano.
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Já no caso do Brasil, o Senado surgiu no período do Império, em 1826, acomodando as vozes e os interesses da aristocracia e permanece até os dias atuais como uma das instituições da estrutura da República Federativa do Brasil, compondo, ao lado da Câmara, o Congresso Nacional.
Agora, percebam um fato importante: assim como a fundação da República na História e no Brasil não se deu por meio do protagonismo popular, a fundação e a existência do Senado, na História e no Brasil, não contempla a presença do povo na condição de protagonista, ou seja, na condição de senadores.
Direcionando o nosso foco ao Senado brasileiro, entre 1986 e 2018, compartilhamos alguns resultados preliminares de uma pesquisa que estamos desenvolvendo, que mostram que, além da ausência do povo, e da presença expressiva de famílias-políticas, há deficiência na diversidade e pluralidade dos representantes. Consideramos neste momento apenas os titulares eleitos para o Senado, neste período de mais de trinta anos, em todos os estados, o que chegou ao total de 380 vagas preenchidas.
Ao analisar os dados, o número de eleitos que possuem vínculos político-familiares, chega a preencher 259 das 380 vagas disponíveis, ou seja, 68,16%, foram ocupados por famílias-políticas, com destaque para dois estados que elegeram 100% de senadores que apontam mobilização de relações de parentesco nas suas eleições: a Paraíba e o Piauí.
Em contraste com o perfil da população brasileira, onde a PNAD/2019 mostra que 51,8% da população é composto por mulheres, das quais, 28% são negras, foi possível identificar também que o patriarcalismo reina livremente nesta instituição tida por republicana: das 380 vagas, 340, ou seja, 89,47% representa a presença masculina nesta Casa. E, para reforçar o conjunto de desigualdades políticas, das 40 mulheres que chegaram a esse posto, 10,53% em percentual, apenas 3 delas são negras: Marina Silva, no Acre, tendo ocupado o mandato por duas vezes, Benedita da Silva, no Rio de Janeiro uma vez, e, em Rondônia, Fátima Cleide uma vez, sendo todas elas, na ocasião, filiadas ao Partido dos Trabalhadores.
Há que se destacar ainda que em três estados nunca houve a eleição de uma mulher para o Senado: Amapá, Pernambuco e Piauí. E os estados que mais as elegeram, contribuindo com três mandatos cada um, foram: 1) Mato Grosso do Sul, com Simone Tebet, do MDB, e Marisa Serrano, do PSDB, ambas com parentesco politico, e Soraya Thronicke do PSL sem este vínculo; 2) Sergipe, com três eleições da mesma pessoa, de família política: Maria do Carmo Alves, do DEM; 3) Rio Grande do Norte, com com três mulheres diferentes, onde Rosalba Ciarlini, do DEM, e Zenaide Maia, do Pros, são respectivamente membros das famílias políticas Rosado e Maia, e Fátima Bezerra, do PT, professora e sem vínculo político-familiar; e, 4) Roraima, com duas eleições da senadora Marluce Pinto, do PTB, e uma de Angela Portela, do PT, ambas com ligações político-familiares.
A pesquisa deixa claro ainda que estão majoritariamente excluídos do Senado grupos que lá também poderiam estar mais expressivamente representados, como mulheres, negros, quilombolas, indígenas, indivíduos de origem popular, de movimentos sociais, entre outros, em detrimento do acesso quase exclusivo de homens brancos, empresários, originários de estratos superiores da pirâmide econômico-social e de famílias políticas praticamente hegemônicas, acopladas por décadas às cadeiras que deveriam representar os estados.
A desproporcionalidade em relação ao perfil amostral da população brasileira, nas cadeiras do Senado, que não é característica de nenhum estado ou região específica, parece confirmar o perfil elitista da Casa desde as suas origens. Este fato caminha em sentido oposto à essência da democracia, que, na ausência do povo, cristaliza-se como um abrigo de elites regionais.
Se, no jogo do poder, o que está em jogo é o poder de decidir, o Senado é uma casa de acesso ao poder decisório que tem a condição de direcionar mudanças estruturantes para confirmar, manter ou alterar as relações de poder na sociedade e as desigualdades sociais e econômicas. Por isso, é necessário de que o povo, que é o “espírito da República”, ocupe todas as instâncias de poder que tomam diariamente decisões que dizem respeito às suas próprias vidas, dentre elas, o Senado.
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