Auditores de controle externo dos tribunais de contas do Brasil reagiram à decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de restringir o exercício da advocacia de seus servidores. Os funcionários alegam que não há justificativas para tal proposta. O TCU aprovou por unanimidade um projeto de lei que os impede de exercer a advocacia privada, além de proibi-los de integrar sociedades de advogados.
De acordo com o texto, a proibição não se aplica somente nos casos de “exercício da advocacia em causa própria, estritamente para defender direitos pessoais, mediante inscrição especial na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)”.
O projeto prevê alteração da Lei 10.356/ 2001, que trata do quadro pessoal e plano de carreira dos servidores da Secretaria do Tribunal de Contas da União. O presidente do TCU, Bruno Dantas, enviará a proposta ao Congresso Nacional. Em nota, ele afirmou que a medida é necessária para prevenir conflitos de interesse.
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“Tal medida é crucial para prevenir o conflito de interesses e assegurar a proteção a informações privilegiadas e a integridade, imparcialidade, moralidade, independência e impessoalidade do quadro funcional do TCU, reforçando a confiança pública em nossa instituição”, disse Bruno.
ANTC alega ausência de justificativa
O presidente da ANTC, Ismar Viana, explica que com a vedação imposta pelo TCU, o presidente desconsiderou o próprio levantamento feito pelo órgão, que não indicou a presença de um só caso de auditor atuando em situação de conflito de interesses.
Publicidade“Desconsiderou as preexistentes medidas de contenção previstas nas leis orgânicas, regimentos internos e no próprio estatuto da OAB, que vedam a atuação do auditor no âmbito dos seus Tribunais de Contas, assim como vedam à atuação contra a fazenda pública que o remunera. O que defendemos é a atuação do auditor pautada pelas balizas legais. E para as atuações fora dessas balizas, já há antídotos para esse veneno, que é a atuação firme das corregedorias, dos conselhos de ética, dos sistemas de responsabilização civil e criminal. Em razão dessa ausência de motivação e fundamentação, consideramos ilegítima a restrição a um direito fundamental”, acrescenta Ismar.
Bruno também declarou que, durante seu mandato como ministro-corregedor, iniciou um levantamento (TC 016.170/2021-0) para investigar práticas da advocacia por servidores do TCU que estivessem em desacordo com a Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia). A lei em questão veda a advocacia contra a Fazenda Pública pagadora. No entanto, segundo ele, limitações relacionadas à integridade dos dados recebidos e restrições de acesso a informações dificultaram a realização de um diagnóstico eficaz sobre o tema.
A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) emitiu uma nota de desgravo alegando ausência de motivação para o TCU aprovar o projeto de lei. Os auditores de controle externo são servidores públicos que atuam nos Tribunais de Contas, ficam responsáveis por supervisionar o uso dos recursos públicos. A função inclui fiscalização de arrecadação, gerenciamento e aplicação desses recursos. No texto, os auditores afirmam que a medida é “antídoto para um veneno não identificado”.
Leia a nota na íntegra
“A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), entidade de âmbito nacional e que representa, de forma homogênea, a carreira composta por mais de 8.500 Auditores de Controle Externo e congrega 26 entidades afiliadas de todas as regiões do país, por deliberação da Diretoria e do Conselho de Representantes, vem expressar desagravo aos Auditores de Controle Externo dos 33 Tribunais de Contas do Brasil que foram atingidos em sua honra com o teor de Comunicação da Presidência do TCU que deu ensejo ao envio de PL à Câmara dos Deputados, cujo objetivo é restringir o direito fundamental e legítimo ao exercício da advocacia por Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas da União.
Em Comunicação subscrita pelo atual Presidente do TCU, consta que:
“durante meu mandato como Ministro-Corregedor deste Tribunal, iniciei um levantamento (TC 016.170/2021-0) com o objetivo de investigar a prática da advocacia por servidores do TCU que estivessem em desacordo com o art. 30, inciso I, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), que veda a advocacia contra a Fazenda Pública pagadora, bem como de examinar a possibilidade de patrocínio de causas que pudessem resultar em conflitos de interesses em relação às atribuições dos servidores nesta Corte, ou que pudessem influenciar no seu desempenho.
No entanto, limitações significativas relacionadas à integridade dos dados recebidos e a restrições de acesso a informações dificultaram a realização de um diagnóstico eficaz sobre o tema, gerando uma situação adversa em que se verifica a persistente possibilidade de conflitos de interesse e as dificuldades inerentes à sua detecção sistemática.”
Inicialmente, necessário registrar que o próprio subscritor da comunicação não indica qualquer situação comprovada envolvendo Auditor de Controle Externo do TCU que tenha atuado em conflito de interesse no exercício da advocacia, resultando-se necessário concluir que a proposta legislativa não intenciona resolver um problema existente, mas estabelecer um antídoto para um veneno não identificado, quando poderia estabelecer o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle atualmente instituídos, o que leva esta a entidade a concluir que se trata de busca por satisfação de um interesse pessoalizado, dada a manifesta ausência de justificativa, seja lógica, seja jurídica.
É possível chegar a essa conclusão, tendo em vista que a proposta apresentada se lastreia na presunção de má-fé, desconsiderando que ela não pode ser antevista, mas provada. Não há, portanto, conflito real. Não há, na verdade, sequer conflito aparente, diante das regras de impedimento já existentes no Estatuto da OAB, causando profunda estranheza à ANTC, portanto, a afirmação de impossibilidade de identificação de situações de conflito de interesse por “limitações significativas relacionadas à integridade dos dados recebidos e a restrições de acesso a informações”, quando se sabe que os dados relacionados aos processos no sistema judicial brasileiro são públicos, o que permite identificar os advogados que atuam nesses processos, e que o TCU poderia exigir declarações periódicas dos seus integrantes para uma eficiente “detecção sistemática”, ou mesmo celebrar convênio com a OAB para anotações de impedimento nos registros profissionais de advogados que integram os quadros do TCU.
É, portanto, em razão da ausência de motivação adequada para o envio do PL que a ANTC se dirige aos cidadãos brasileiros para esclarecer que todos os Auditores de Controle Externo que têm inscrição nos quadros da OAB já se encontram sujeitos ao impedimento de que trata o art. 30, inciso I do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que já veda a esses agentes e a tantos outros agentes públicos o exercício da advocacia contra a fazenda pública que os remunera.
Mas, não é só. Em se tratando de Auditores de Controle Externo, para além da vedação prevista no Estatuto da OAB, a esses agentes é vedado, por óbvio, o exercício da advocacia em favor de agentes sujeitos à atuação controladora dos Tribunais de Contas com os quais esses Auditores de Controle Externo mantêm vínculos funcionais. Ou seja, para além dos impedimentos legais a que se encontram sujeitos por força do Estatuto da OAB, os Auditores de Controle Externo também já se encontram sujeitos ao regramento ético estabelecido em normativos dos Tribunais de Contas, além do Código de Ética instituído pelas Normas Internacionais de Auditoria Governamental definidas pela INTOSAI (International Organization of Supreme Audit Institutions) e adotadas no Brasil.
Não se desconhece a possibilidade de um estatuto de carreira dispor sobre vedação ao exercício de determinada profissão, sobre dedicação exclusiva, a título de exemplos. Ocorre que essas vedações precisam se manter aderentes ao direito fundamental ao exercício profissional estampado no art. 5º, inciso XIII da CRFB/88, fundamento de validade constitucional à edição da Lei n. 8.906, de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tratando-se, pois, de instrumento legitimamente apto ao disciplinamento das hipóteses de impedimentos e incompatibilidades ao regrado exercício da advocacia.
Daí por que manifestações institucionais que não possuem lastro em argumentos técnicos ou que atentam contra a o direito fundamental de Auditores de Controle Externo não devem ser recebidas pela sociedade brasileira como benéficas ao bom e regular funcionamento das instituições, mas como medida de retaliação à atuação independente e imparcial dos atores processuais que atuam no regular desempenho das atribuições de auditoria e instrução processual no âmbito dos 33 Tribunais de Contas, especialmente quando se leva em conta que a proposta apresentada pelo TCU não afeta o exercício de nenhuma outra profissão, como de contador, administrador, engenheiro ou economista, a título de exemplos, atividades também sujeitas à fiscalização e à inscrição em suas entidades para o exercício regular da profissão.
Dessa forma, as razões que levam a ANTC a se manifestar vão além de questões estatutárias e levam em conta a importância da atuação regular dos Tribunais de Contas para a democracia e para a sociedade brasileira, de modo que não se pode admitir ou silenciar diante de ameaças, insinuações ou rotulações utilizadas para se referir à atuação de Auditores de Controle Externo, pois isso não se coaduna com a postura de sobriedade que deve pautar as relações institucionais.
Esse não é o padrão de comportamento esperado dos agentes de Estado. Espera-se o devido equilíbrio – e a aparência de equilíbrio – no comportamento daqueles que estão à frente da função administrativa no âmbito das instituições republicanas, em cujo rol se encontram inseridos os 33 Tribunais de Contas do Brasil.
Não há espaço para intimidações, pressões ou hostilidades. Elas não apenas corroem a dignidade e as garantias constituídas para assegurar a independência técnica dos atores essenciais e a imparcialidade das decisões dos Tribunais de Contas, como também revelam à sociedade desequilíbrio e incapacidade de manter ambientes institucionais em adequado nível de sobriedade, qualificação e tecnicidade.
Em desfecho, a ANTC reafirma a defesa da credibilidade da atuação controladora e rechaça toda forma de intimidação ou constrangimento imposto a Auditores de Controle Externo, manifestando-se em defesa de um controle independente, técnico e regular, em estrita observância ao devido processo legal, patrimônio que deve ser garantido aos cidadãos.
Reitera-se, por fim, que o respeito, a postura profissional, a independência e a observância às atribuições de cada agente público envolvido no processo de controle externo são premissas norteadoras de atuação regular dos 33 Tribunais de Contas do Brasil, de modo que o Auditor de Controle Externo, titular de uma das 3 funções essenciais à concretização das competências constitucionalmente outorgadas pela CRFB/88 a essas instituições, deve ter sua atuação respeitada e protegida”.
Resposta TCU
O Congresso em Foco entrou em contato com o TCU , em resposta o presidente defendeu o projeto de lei.
“Li o “desagravo” dos sindicatos mas, até o momento, não consegui compreender qual o “agravo” sofrido pelos devotados e competentes servidores do TCU. Na verdade, o que macula a honra dos auditores federais de controle externo é o discurso corporativista raso que beneficia apenas uma minoria que usa o TCU como “bico”. Agora desejam convencer a sociedade de que o exercício da advocacia privada por servidores que têm acesso a informações privilegiadas e o poder de iniciar fiscalização contra terceiros é boa para a democracia e beneficia o cidadão que paga seus salários”, declarou Bruno Dantas.