A internet, suas redes e aplicativos, como toda inovação tecnológica, carregam coisas boas e outras, não tanto. Essa poderosa ferramenta viabiliza a comunicação global em velocidade inédita, aproxima pessoas, revoluciona as possibilidades da democracia, viabiliza o homework, propicia o êxito de campanhas humanitárias, permite a ampla divulgação da criação artística, proporciona a educação à distância e a telemedicina. No entanto, pode também servir a teorias da conspiração, fake news, discursos de ódio, golpes financeiros, tráfico de armas, pessoas e drogas e à pedofilia. A tecnologia é neutra do ponto de vista moral, o uso das ferramentas é que materializa o campo de discussão ética sobre meios e fins perseguidos no uso do mundo virtual.
Longe de mim qualquer perspectiva saudosista ou qualquer negacionismo quanto aos notáveis avanços introduzidos pela internet. As mudanças são irreversíveis.
O tema me veio à cabeça outro dia, quando cheguei aeroporto e resolvi avançar a leitura do excelente História da Riqueza no Brasil, de Jorge Caldeira. Na primeira pausa, olhei em torno e, sem medo de errar, 95% das pessoas estavam com seus olhares pregados nas telas de seus celulares. A comunicação minimalista contemporânea encontra espaço de expressão em mensagens curtas e vídeos meteóricos. Não sei, sinceramente, o espaço que restará para Machado de Assis, Guimarães Rosa, Cervantes, Victor Hugo, Walt Whitman ou Drummond.
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No dia seguinte, na academia de ginástica percebi que as pessoas não abandonavam as redes sociais nem em cima da esteira ou pedalando a bicicleta. Não se desconectam nunca. Parece uma frenética “nova escravidão”. Não sei se isso fará bem à saúde mental e física de uma geração inteira.
Do ponto de vista individual, fico assustado como as pessoas renunciam à sua privacidade e expõem sua intimidade abertamente nas redes sociais. É claro que há um lado positivo de aproximação das pessoas. Adoro conversar com meu amigo e minha amiga que moram na Califórnia pelo Skype ou pelo WhatsApp. Mas temo que estejamos mascarando uma enorme solidão de muitos. Fora o sequestro e a manipulação de nossos dados pessoais pelas big techs.
Na vida coletiva, a política é talvez o melhor laboratório. Se por um lado, a internet permite aprofundar a democracia direta, organizar debates, consultas públicas, troca de textos e informações, também é terreno fértil para o radicalismo sectário selvagem, para a destruição de reputações, para a disseminação de mentiras, para dinamitar as relações de confiança entre líderes, instituições e cidadãos. Como disse Manuel Castells: “As mensagens negativas são cinco vezes mais eficazes em sua influência do que as positivas”. Complementado por Mark Twain: “Uma mentira pode dar a volta ao mundo enquanto a verdade leva o mesmo tempo para calçar os sapatos”.
Como bem observou FHC: “A grande força transformadora que abala as estruturas de poder em escala mundial não deriva de projetos políticos ou ideológicos, mas da reorganização do modo de produzir e de interagir que levou à globalização. Essa transformação está na raiz da crise, e também da metamorfose, da democracia”.
Que consigamos aprender a lidar com os avanços inegáveis da internet, potencializando suas qualidades e minimizando seu potencial destruidor.
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