De volta à polêmica envolvendo teto de gastos, despesas sociais e a PEC da Transição. Há uma percepção falsa de que os gastos governamentais podem ser quase ilimitados. E que a defesa da responsabilidade fiscal é uma maldade dos economistas, refletindo a falta de “vontade política” para resolver os problemas da sociedade. Ledo engano. A experiência internacional e brasileira demonstra que o descontrole fiscal crônico resulta em fortes efeitos perversos sobre a sociedade. Perde o Brasil como um todo, mas, principalmente, os segmentos mais pobres da população.
É evidente que num país com baixa qualidade na educação, gargalos enormes no SUS, metade da população sem coleta de sgoto, fome e miséria envolvendo milhões de brasileiros, demandas sociais de toda ordem, é muito mais sedutor falar em ampliação dos gastos públicos.
Os governos, as empresas e as famílias têm uma equação financeira semelhante. De um lado, receitas, de outro, despesas. Se o governo gasta recorrentemente mais do que arrecada fatalmente tem que buscar dinheiro no mercado, aumentando sua dívida. O setor público brasileiro toma da sociedade a cada ano em média 34% do PIB, sendo uma carga tributária alta para países emergentes, 80% das despesas se concentram em folha de pagamento e previdência, o investimento público é cada vez menor e a conta de juros é salgada.
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O teto de gastos, votado em 2017, no governo Temer, como âncora fiscal, foi adotado diante da total deterioração do cenário
econômico e uma crise profunda de confiança. Foi um freio de arrumação. A ideia era forçar a priorização nos gastos e a reforma administrativa. Fui um dos deputados que mais defendeu a proposta. Mas sabia que era um expediente um tanto tosco. O ajuste fiscal não pode ser feito apenas do lado da despesa. Há que se melhorar o desempenho da receita com
crescimento econômico e reforma tributária. A equação tem que incluir as despesas financeiras e a redução das renúncias fiscais. Isto o teto não faz. Mas as goteiras logo apareceram. O governo Bolsonaro gastou RS 800 bilhões a mais que o teto, incluídas as despesas com a pandemia.
Em 2022, em ambiente pré-eleitoral, houve um “liberou geral” com a aprovação da inadequadamente chamada “PEC Kamikaze”. O teto de gastos virou uma verdadeira peneira.
O Senado Federal aprovou a chamada “PEC da Transição”. Seria natural que se abrisse brecha para o Bolsa Família e para o aumento real do salário mínimo, já que os dois candidatos que foram ao segundo turno defenderam a ideia. A proposta do senador Tasso Jereissati de um extra teto de R$ 80 bilhões seria suficiente. Mas o texto aprovado resultará num gasto adicional de cerca de R$ 205 bilhões, além de um extra teto para o atual governo. E por dois anos. O prazo deveria cobrir o
primeiro ano de governo, enquanto fossem feitas as reformas tributária e administrativa, a diminuição das renúncias fiscais e a retomada do crescimento. E deveria contemplar a nova âncora fiscal, que será apresentada até agosto de 2023.
Cabe esperar a votação na Câmara dos Deputados, que deliberará com a faca no peito. E também a reação do mercado nacional e internacional, onde estão os investidores e os financiadores dos déficits governamentais. Oxalá, não haja um efeito bumerangue com as consequências indo no sentido inverso dos resultados esperados.