Segundo turno concluído, o Centrão de Kassab (PSD) e de Baleia Rossi (MDB) são os grandes vencedores, respectivamente com 891 e 864 prefeituras conquistadas, representando o controle de 30% das cidades brasileiras. Isso terá um impacto direto nas eleições de 2026, especialmente para o Congresso.
Lideranças municipais fazem campanha e recebem emendas (leia-se, verba ou pix), não necessariamente nessa ordem, mobilizando o território para o pleito nacional. Território é onde o voto está.
A partir de janeiro, por quatro anos, mais de 86% do país será conduzido municipalmente por partidos de centro-direita. Partidos à esquerda — considerando PSB, PT, PDT, PCdoB, PV, Rede e Psol — somam 13%, menos do que PSD, MDB ou PP sozinhos.
Mas, na verdade, separar partidos em direita ou esquerda, especialmente em eleições municipais, é abrir espaço para o erro. São 5.569 cenários políticos e realidades, considerando o número de cidades que tiveram eleição (todas, exceto Brasília). Em muitas delas o Centrão foi resistência à direita bolsonarista, como no Rio de Janeiro e em Belém. Em outras tantas, como São Paulo e Maceió, juntou-se. No último caso, JHC reelegeu-se após sair do PSB e agora se tornou um dos quatro prefeitos de capitais do PL.
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Tratando-se apenas de capitais, a esquerda conseguiu duas vitórias, Recife com João Campos (PSB) e Fortaleza com Evandro Leitão (PT). A extrema direita conseguiu ganhar em Cuiabá com Abílio Brunini (PL). No resto, prevaleceram os casamentos de conveniência. De fato, em muitos lugares a disputa aconteceu até mesmo entre direitas, de centro e a extrema.
Além disso, observando quem está mais à esquerda do PT e à direita do PSDB, vê-se uma considerável diferença. Enquanto o Psol perdeu suas já poucas cinco prefeituras, incluindo a capital do Pará, ficando sem nenhuma representação no Executivo municipal, o Partido Novo passou de apenas uma para 19.
O PSDB derreteu como jamais antes. Perdeu as quatro capitais que havia conquistado quatro anos atrás – Natal, Porto Velho, Palmas e São Paulo. Na última, inclusive, deixou de eleger um único vereador pela primeira vez desde a fundação do partido, quase três décadas atrás. Totalizam pouco mais de 500 as prefeituras obtidas por PSDB e PT, partidos tradicionais da política nacional que disputaram seis das últimas nove eleições presidenciais, chegando a formar no imaginário político de muita gente o conceito padrão do que era direita e esquerda. Resultado baixíssimo comparado com a performance do PSD, MDB e os outros representantes do centro fisiológico – PP (752), União Brasil (591), Republicanos (440). Todos já presentes entre os quadros ministeriais do Lula.
A visão macro é de um país mais fisiológico do que nunca, mas não podemos generalizar. Temos lideranças eleitas e reeleitas nessas legendas fazendo um trabalho conectado com as demandas reais da sociedade, ao mesmo tempo em que também temos exemplos de governos conectados a legendas de robustos programas, mas com uma aprovação popular abaixo da crítica.
O que mais me indignou foi perceber o quanto a população (ou pelo menos as centenas de pessoas com quem falei enquanto fazia campanha na cidade de São Paulo) se sente distante do campo progressista.
Dores das pessoas que parecem estar a cada dia mais refletidas no discurso da direita.
Emprego X empreendedorismo
Dezenas de análises políticas dessas eleições falam desse ponto. E não é de hoje que podemos perceber sua importância. Desde 2016, quando João Doria ganhou do então prefeito Fernando Haddad no primeiro turno, o discurso de “trabalhei e venci na vida” ficou em evidência. Essa visão empreendedora foi o ponto mais explorado em análises dessa eleição.
Hoje, infelizmente, a segurança da carteira assinada parece um sonho distante. Estamos, mais e mais, na estrada sem volta da pejotização, e é a direita liberal quem mais fala sobre isso e mais acolhe essa parcela do mercado de trabalho para a qual a CLT inexiste.
Segundo o IBGE, mais de 60% dos trabalhadores demitidos em 2022 viraram microempreendedor individual (MEI) por necessidade básica de sobrevivência. Naquele ano, a cidade de São Paulo tinha 4 milhões de MEIs e 5,3 milhões de empregos formais. Ou seja: quase metade da população economicamente ativa de São Paulo é PJ. No Brasil, esse número diminui, mas ainda está acima dos 20%, ou 15 milhões de registros
Conservadorismo
Sinônimo de igrejas evangélicas. A principal conexão do conservadorismo entre nós é a religião. O Brasil é um país formado por mais de 80% de cristãos, e os evangélicos são os mais engajados na política nacional.
Em 2019, foram abertos 17 novos templos evangélicos por dia, quintuplicando seu número no período de dez anos. A expectativa é que até o final desta década existam mais evangélicos que católicos. Em outras palavras: o que os jesuítas levaram 500 anos os evangélicos vão fazer em 100.
Reflexo das ruas, a bancada evangélica no Congresso chegou a 189 parlamentares. O país avançou nos últimos anos em assuntos considerados tabus dentro do guarda-chuva de direitos humanos, mas de alguma forma, acredito eu, houve erro na estratégia de comunicação. Para alguns, isso soou como “bagunça, anti-família e invasão de casas” num país que preza pela “tradição, família e propriedade”. E, como um pêndulo, quanto mais forte vamos para um lado, mais forte ele volta para o outro.
Negação da política
Em 2018 ficou provado que não importava que você fosse um deputado federal irrelevante há 28 anos e seus filhos também tivessem cargos políticos a vida inteira, se você disser que é antissistema com convicção, usando os meios de convencimento adequados, a população acreditaria. De todos os absurdos que Bolsonaro representou, esse para mim foi o maior.
A força da renovação política começou nas jornadas de 2013 e desaguou nas eleições de 2018, que tiveram a maior renovação que o Congresso já testemunhou desde a redemocratização do país. Uma boa notícia, certo? Depende da lente política que se usa.
Ao mesmo tempo que a renovação é necessária, ela precisa vir com qualidade e propostas. Simplesmente gritar (ou tuitar) que pretende “acabar com tudo porque está tudo errado” não basta, e custa caro ao país. Porém, essa linha de pensamento segue forte e não é fácil contradizê-la. O sentimento antipolítica é também reforçado pela mídia diariamente, pois é mais fácil falar dos malfeitos dos parlamentares do que dos impactos positivos que muitos projetos que eles aprovam.
Redes sociais
Não à toa o pai das redes sociais, Mark Zuckerberg, vive uma delicada relação com as autoridades norte-americanas. Hoje esse é um espaço “terra de ninguém”, enfraquece a democracia através dos seus algoritmos-bolha, que reforçam aquilo que nos agrada e nos tornam menos tolerantes ao diálogo e nos fazem entrar com força na triste “era da pós-verdade” e da lacração.
Mas um ponto é indiscutível: quem sabe operar esse campo minado e consegue fazer a mensagem chegar de forma atraente aos seus destinatários pode até se transformar de ex-coach em (quase) prefeito da maior cidade da América Latina. Definitivamente, algo a ser estudado e, desde que dentro da legalidade (o que nesse caso não existiu), replicado.
O que fica evidente, no entanto, é que se o streaming substituiu a televisão, os substitutos dos palanques e dos discursos políticos são os reels de no máximo um minuto. E, pior: o holofote adquirido ao divergir, inclusive de maneira irresponsável, contribui para reduzir a vontade de convergir.
Existe, portanto, uma questão de comunicação colocada: como aproximar a mensagem da mudança política do que o brasileiro quer e precisa ouvir neste momento. Não só na forma, mas também no conteúdo.
Com os quatro pontos acima colocados, as perguntas que vêm à minha cabeça são: como fortalecer o modelo crescente de empreendedorismo, garantindo mais igualdade na oportunidade? Como reconhecer que o sistema precisa sim ser mudado e que a renovação é sim importante sem jogar fora o bebê da democracia junto com a água dos nossos conhecidos problemas políticos? Como defender a família sem prejudicar os direitos garantidos pela Constituição, quem sabe trazendo a visão do papa Francisco e da sua benção à união LGBTQIA+ ao mesmo tempo que avançamos em pautas progressistas? Afinal, quando Jesus se tornou exclusividade da direita?
Nossa disputa agora não é – ou não deveria ser – apenas entre direita e esquerda ou contra quem pensa diferente, mas sim contra a ausência de uma visão de futuro para o país e o fisiologismo puro.
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