Reza a lenda urbana que a vida no Brasil só começa depois do carnaval. Após o carnaval, faltarão sete meses para aquela que parece ser a eleição mais decisiva das últimas décadas. As pesquisas revelam um quadro estacionário e aberto.
É sabido que a política se assemelha a um jogo de xadrez. O único prazo que os políticos respeitam é o prazo legal. Antes a realidade fica povoada de balões de ensaios, blefes, dissimulações, factoides. Em março, três prazos legais impactarão a armação do tabuleiro.
O primeiro é o da chamada janela partidária. Os 35 partidos políticos brasileiros existentes, com raras exceções, não primam pela consistência programática e ideológica e pela coerência política. A fidelidade partidária é baixa. A janela permite ao parlamentar mudar de partido sem perder o mandato. É de se prever uma verdadeira revoada de deputados. Isso mexerá com a correlação de forças.
O segundo prazo fatal é o das desincompatibilizações de prefeitos, governadores, ministros e secretários que querem se candidatar. Até 2 de abril, teremos a noção exata de quem estava blefando ou reavaliou a situação e quem é candidato para valer.
O terceiro é o prazo para a consolidação das federações partidárias, novo instituto criado pela última reforma política. As federações, ao contrário das simples coligações, não são como um namoro de carnaval, são noivados sérios com intenção de casamento, ou seja, um verdadeiro ensaio para uma futura fusão. Os partidos federados terão que se comportar no Congresso Nacional e nas eleições de 2022 e 2024 como se um único partido fossem, pelos próximos quatro anos.
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O desafio essencial das eleições de 2022 será o fortalecimento da democracia brasileira e da ideia de liberdade política. Isto porque a democracia no país tem sido colocada em risco.
Polarização sempre houve. A oposição de Carlos Lacerda a Vargas e JK foi implacável. Os embates entre Arena e MDB durante o regime autoritário eram duros. Mas nada parecido com o atual clima que envolve radicalismo digital, “lacrações”, fake news, desrespeito exacerbado aos adversários, incitação à violência.
Casos recentes como a agressiva e infantil ameaça de líderes do MBL, que com um humor, desqualificado e sem graça, ameaçaram treinar seus militantes para matar “democratas”, personalizados no excelente jornalista Pedro Dória, na pesquisadora Michele Prado e no admirável ex-senador Cristovam Buarque são um verdadeiro e inaceitável absurdo.
Também a polêmica envolvendo o Flow Podcast, um dos dez maiores podcasts do Brasil, com 4 milhões de inscritos no YouTube, onde o apresentador Monark defendeu a existência de um partido nazista, levantou o protesto da comunidade judaica, provocou o cancelamento de patrocínios e configurou crime previsto no Código Penal brasileiro. Diga-se de passagem, que Bruno Aiub, o Monark, não é um neonazista, mas em sua visão ingênua anarquista defendeu o direito democrático a segmentos que querem destruir a democracia.
Excessos à parte, por fanatismo ou imaturidade, temos que defender os fundamentos da democracia que começam pelo reconhecimento da legitimidade dos adversários e pela defesa do diálogo na construção de soluções.
Fora isso, é esperar as águas de março irrigarem o amadurecimento do quadro político em ambiente tão conturbado.