Iriny Lopes*
O atentado em duas escolas de Aracruz, no dia 25 de novembro, realizado por um ex-aluno de 16 anos, filho de policial militar, e que resultou na morte de três professoras e uma estudante, além de 11 feridos, completa um mês. Este Natal será de dor e ausência para as famílias das vítimas fatais e das que foram feridas, além de um trauma difícil de superar para toda a comunidade escolar de Aracruz, cidade do estado de Espírito Santo.
O ataque revela o quanto as células nazistas se multiplicaram nos últimos anos. Chama a atenção a escolha das vítimas: a grande maioria mulheres, em assassinatos planejados em pleno Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Esses tipos de crimes são marcados pela simbologia. A ideologia nazista se alimenta do ódio às diferenças e da desigualdade. Sobre mulheres, o ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, expressava o máximo da concepção misógina do nazismo, ao afirmar que “a missão das mulheres é ser bonita e trazer crianças ao mundo”. Não espanta, portanto, que os alvos do atirador tenham sido prioritariamente femininos.
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Infelizmente, a tragédia de Aracruz não foi um caso isolado no Brasil. Em um levantamento feito pelo Grupo Temático de Educação da equipe de transição do presidente eleito Lula sobre atentados em escolas aponta que “desde o início dos anos 2000 já ocorreram 16 ataques, dos quais quatro aconteceram neste segundo semestre de 2022. Ao todo, 35 pessoas perderam suas vidas e 72 sofreram ferimentos”[1].
Importante notar que em todos os casos emblemáticos o ideário nazista estava presente. No Espírito Santo, três meses antes do massacre de Aracruz, um jovem de 18 anos, também filho de PM, tentou invadir uma escola de Vitória para assassinar professores e estudantes, mas foi impedido pela polícia. Os criminosos de Aracruz e Vitória tinham como exemplo o massacre em 2019, um colégio de Suzano, em São Paulo, onde dois ex-alunos causaram 8 mortes e 11 feridos, e demonstravam admiração pelo mentor do ataque, Guilherme Taucci, que cultuava o nazismo. Taucci matou o outro atirador e se suicidou após o atentado.
É preciso frisar que as ameaças às unidades escolares não são novas, mas que alcançaram outro patamar na última década, especialmente após a ascensão do presidente Bolsonaro ao poder. Com os decretos de armamento desenfreado, hoje temos cerca de 1,9 milhão de armas em circulação no país (dados de junho de 2022), registradas na Polícia Federal e Exército e sem qualquer controle. O número de Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs) passou de 117.467, em 2018, para 673.818 até julho de 2022.
O fascismo cresce sem ser incomodado pelas autoridades. E nesse cenário de incentivo à violência, propagação do ódio e intolerância combinados com o armamento descontrolado e legislação falha para conter fake news e grupos extremistas na internet é que se viu a multiplicação de células nazifascistas.
Lava Jato e ascensão do fascismo
Um dos marcos desse processo de crescente fascismo no país é a desqualificação da política, acelerada durante a operação Lava Jato, especialmente pelos agora eleitos Deltan Dallagnol e Sergio Moro, que se utilizaram de todos métodos ilegais para criminalizar a esquerda, especialmente o PT, como, escutas sem autorização, editadas e vazadas propositadamente para a grande mídia, prisões provisórias com a finalidade de forçar confissões mentirosas para incriminar o PT.
A condenação de Lula sem provas e sua prisão absurda por mais de 500 dias para retirá-lo do processo eleitoral e garantir a eleição do fascista Jair Bolsonaro somou-se aos impedimentos sucessivos do direito à defesa de Lula. Importante destacar a omissão do Supremo Tribunal Federal (STF) em toda essa prática de lawfare, incluindo o grave grampo de celular da então presidenta Dilma Rousseff, algo inimaginável em uma democracia.
A direita não conseguiu engolir a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. Aécio Neves, assim como Bolsonaro, entrou no TSE questionando o resultado eleitoral, mesmo sabendo que não havia nada de errado no resultado. Essa foi a senha para o golpe contra Dilma. A mídia, pautada pelo mercado (porque integra essa elite) e interesses internacionais nas reservas naturais brasileiras, absorveu e disseminou o discurso anti-PT e o Legislativo consumou um golpe parlamentar, contando, de novo, com a omissão do Judiciário, em um impeachment desprovido de consistência. Um golpe contra a esquerda construído passo a passo, que agregou o machismo e a misoginia.
Após o golpe contra Dilma, com a ideologia reacionária em franca ascendência, com auxílio da Lava Jato, veio o novo golpe, que foi a condenação sem provas e a prisão ilegal de Lula, para facilitar a eleição de Bolsonaro. Diferente da direita, que resolve seus problemas recorrendo ao Judiciário, a extrema-direita coloca em dúvida essa maneira de reinstitucionalizar o conflito pela via jurídica. Guedes e outros colocados pelo mercado não conseguiram tutelar o fascista Bolsonaro. E criou-se o caos e a destruição do país.
Nesse contexto de fascismo institucional, com decretos facilitadores de armamento, de incentivo à propagação de milícias, as células nazistas se ampliaram em muito.
Após o golpe contra Dilma, aconteceram dois atentados em unidades escolares (em 2017 e 2018), com dois mortos e seis feridos, mas foi após a posse de Bolsonaro que ocorreu o pior massacre: o de Suzano, onde dois ex-alunos de uma escola estadual assassinaram oito pessoas (incluindo o tio de um dos atiradores) e feriram 11 e depois se mataram. De lá até hoje, mais cinco ataques, incluindo o frustrado em Vitória e o mais recente, de Aracruz.
A não repetição desses trágicos episódios exige, por certo, uma análise bem complexa, mas de antemão sabemos que as fórmulas milagreiras sempre apontadas pela direita são frágeis e se mostram oportunistas, como a chance que muitos enxergam de favorecer empresas de segurança, de reduzir a maioridade penal, por exemplo, ou de encher as unidades escolares de equipamentos, guardas, como se a própria escola se transformasse ela mesma em um espaço privativo de liberdade.
O medo e a insegurança são sentimentos legítimos, mas fortemente manipulados pelos nazifascistas para impor a violência, o controle social e destruir direitos. Democracia, algo que grupos totalitários desconhecem, não é uma forma de governo, mas de sociedade. E não espanta que sejam as escolas os alvos de células nazistas. A tentativa violenta de calar o pensamento, a crítica, seja pela imposição da Escola Sem Partido, ou na sua forma mais cruel, de incentivo ao massacre em unidades escolares e de perseguição às diferenças, às liberdades individuais e coletivas vão encontrar sempre as resistências de quem defende a democracia e a liberdade de pensamento.
A desesperança, inclusive nas instituições, o medo e a tristeza são sentimentos mobilizados pelo fascismo. O enfrentamento a essa dura realidade, que não acaba com a derrota eleitoral de Bolsonaro, passa pela nossa capacidade de recuperar a utopia, a alegria e a esperança, que se materializam em sonhos coletivos, em acreditar no que há de humano em nós e que não cabe no individualismo.
[1] Em “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, relatório do Grupo Temático de Educação da transição governamental, Daniel Cara e outras 11 pesquisadoras e ativistas. São Paulo, dezembro de 2022.
* Iriny Lopes é deputada estadual pelo PT do Espírito Santo. Foi deputada federal três vezes, relatora da Lei Maria da Penha na CCJ da Câmara dos Deputados, ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres no primeiro governo Dilma Rousseff.
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