Em meio ao noticiário sobre o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Don Phillips, uma afirmação do presidente da República passou despercebida, diluída na enxurrada de grosserias proferidas por Bolsonaro sobre o assunto.
“Vocês têm que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês, respondeu ele ao próprio Don Phillips, em uma entrevista coletiva realizada em 19 de julho de 2019. Philips, o jornalista de cuja morte violenta Bolsonaro desdenharia, três anos depois, perguntara ao presidente como ele pretendia mostrar ao mundo seu compromisso de governo com a preservação da floresta, que àquela altura já era alvo de um bombardeio estimulado e aplaudido pelo discurso do ocupante do Planalto.
Diz o adágio popular que relógio parado dá a hora certa duas vezes por dia. “A Amazônia é do Brasil” é um desses acertos involuntários de Bolsonaro. A Amazônia é, sim, um patrimônio inegociável do povo brasileiro — embora eu duvide que esse entreguista tenha alguma ideia do significado do conceito, que o diga a Eletrobrás.
O acerto aleatório do homem que já foi merecidamente alcunhado de BolsoNero —padroeiro das queimadas —, porém, tem fôlego curto. Não é uma afirmação de soberania sobre a Floresta Amazônica que se encontra em nosso território.
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Ao responder à pergunta do repórter estrangeiro sobre os temores internacionais com o futuro do bioma, a proclamação de propriedade sobre a Amazônia expressa a avidez do egoísta: “A Amazônia é minha e eu devasto o quanto eu quiser—e entrego para quem quiser”.
Meses depois da resposta rude a Don Phillips — uma quirera de grosseria, comparada ao festival de estupidez que veio após a morte de jornalista e do indigenista Bruno Pereira — Bolsonaro seria ainda mais explícito sobre sua ideia de “propriedade” da floresta. “O interesse na Amazônia não é no índio, nem na porra da árvore, é no minério”, declarou o presidente da República em 1º de outubro de 2019, numa “conversa de cercadinho” com garimpeiros.
Seria possível compilar um baú de exemplos dessa reiterada exaltação do “direito à rapina” arrogado por Bolsonaro. Ainda que essa postura deletéria esteja com os dias contados, como política de governo, as consequências vão durar muito mais tempo do que esses aterradores quatro anos de mandato.
Na esteira das estultices presidenciais a respeito da Amazônia — ou a desrespeito, que é mais exato — surgem propostas tão disparatadas quanto, como a ideia de uma governança internacional sobre a Floresta.
O equívoco é óbvio: a Amazônia é nossa, sim senhores, e os brasileiros e brasileiras têm capacidade de preservar, administrar e usufruir desse patrimônio. O que nem sempre é percebido é que, por trás do verniz de boa intenção e ingenuidade, essa proposta sopra do mesmo lado que só enxerga o Brasil como pasto para interesses forasteiros.
Pintadinhos de verde e falando mansinho, os que ventilam a hipótese de uma Amazônia descolada da nossa soberania andam de mãos dadas com os tubarões que nos arrancam o pré-sal e solapam o motor de desenvolvimento das estatais.
A solução para a Amazônia não é escolher entre entregar ou devastar. O que vai salvar nossa floresta é a verdadeira soberania, a firme representação dos interesses do nosso povo, exercida com a responsabilidade exigida agora e pelas futuras gerações.