Há algumas semanas, conversando com um ministro muito próximo do presidente Lula, eu comentava que o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), para animar sua tropa, vinha lembrando que em 2006 houve um momento em que as pesquisas indicavam vitória de Lula no primeiro turno. Depois, Geraldo Alckmin, o candidato tucano, recuperou-se e chegou ao final apenas três pontos percentuais atrás. É bem verdade que no segundo turno Lula recuperou-se e Alckmin teve menos votos do que tivera no primeiro, mas para Sérgio Guerra essa é uma outra história.
O ministro de Lula primeiro disse que Sérgio Guerra só podia dizer para os seus algo assim mesmo. Mas concordava que os dados eram verdadeiros: Alckmin de fato tirou em 2006 a desvantagem que tinha e chegou perto de Lula ao final do primeiro turno. E, na avaliação desse ministro, essa aproximação na ocasião deu-se por dois fatores. O primeiro foi a ausência de Lula no debate da TV Bandeirantes: era algo totalmente incoerente Lula ter seguido a regra dos líderes das eleições anteriores de faltar ao debate para não se desgastar (ao contrário dele mesmo em 2002).
O segundo fator, na avaliação desse ministro, foi o escândalo dos “aloprados”, a história do dossiê feito para prejudicar José Serra na eleição para governador em São Paulo. Com o envolvimento de um assessor do senador Aloizio Mercadante, ficou impossível para o PT negar alguma participação. E Lula atribuiu o episódio a um bando de “aloprados”. Ou seja: a um excesso de voluntarismo de alguns, forma de assegurar que a operação não tivera aval oficial do partido ou do comando das campanhas.
Voltemos a 2010. É difícil imaginar que o novo escândalo, da violação de sigilo fiscal da filha de Serra, Verônica, e do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, entre outros, tenha efeito eleitoral semelhante ao que se viu com Lula em 2006. Pelo menos, até agora não se verificaram reflexos. Mas, diante do desenrolar dos fatos, é preciso tomar emprestada a expressão cunhada por Lula nas eleições passadas: alguém “aloprou” de novo. E foi um bocado mais longe: violação de sigilo fiscal em larga escala é algo muito grave.
Desde sempre, há uma parcela da esquerda socialista que pareceu apreender dos ensinamentos de Maquiavel apenas uma frase: “Os fins justificam os meios”. Em nome da “grandeza” e da “nobreza” dos planos e realizações, vale tudo para derrubar os inimigos. Então, nos vemos na seguinte situação: ou as violações foram feitas por militantes voluntaristas sem autorização das cúpulas, novos “aloprados”, ou, muito pior, fez parte de uma estratégia oficial (algo que não se pode afirmar, pelo que se sabe até agora).
Qualquer que seja o caso, porém, ele revela um descaso absoluto com a obrigação de manter em sigilo dados privados dos cidadãos. Uma obrigação evidente do servidor público que lida com eles. Quer dizer: se for da conveniência dos novos “aloprados”, eles acessam os dados de qualquer pessoa e usam essas informações sabe-se lá com quais propósitos. A servidora dona do computador de onde foram acessados os dados de Eduardo Jorge, Adeilda Leão dos Santos, diz que deixava a sua senha anotada num caderninho que ficava aberto na sua mesa. E que todo mundo na repartição entrava e usava à vontade a sua senha. Como assim? A mulher lida com dados sigilosos dos contribuintes brasileiros e acha normal todos os seus colegas usarem sua senha? Nem pergunta para quê?
E o presidente Lula, em desafio num comício, questiona: “Onde está esse sigilo que ninguém viu?” Como assim? Não está comprovado pela própria Receita Federal que o sigilo foi quebrado? O que ele queria? Que, a essa altura, todo mundo no país já soubesse quanto Verônica Serra ganhou e quanto pagou de imposto? Por essa lógica, Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda não deveriam sofrer punição por terem violado o sigilo do painel do Senado na votação da cassação de Luiz Estevão. Afinal, pela lógica do presidente, eles viram, mas não divulgaram.
Além da forma banal como se manipulam dados privados de cidadãos, o que também impressiona na história toda é a total falta de necessidade dessas ações. Por razões que já foram expostas nesta coluna, Dilma Rousseff, lidera a corrida presidencial com folga. Porque ela representa a continuidade de um governo bem avaliado e que promoveu mudanças sociais e econômicas realmente importantes. Antes da história da violação, Serra estava completamente sem discurso. Sua campanha chegava a dar pena. Os que fizeram essa lambança agora, distantes ou próximos dela, não tinham a menor necessidade de empanar a campanha de Dilma, tenha isso efeito eleitoral ou não.