Recentemente, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou seu plano de reforma da legislação penal, tendo como objetivos o combate à superpopulação carcerária e o excesso de prisões nos casos de crimes de menor gravidade. Ao justificar sua proposta de mudanças, o jovem chefe de Estado afirmou que ela se baseia no bom senso e que busca superar uma filosofia pela qual tenta-se resolver tudo por meio da prisão.
Para além da pertinência dessa discussão no contexto brasileiro, me chamou a atenção na fala de Macron o apelo à noção de bom senso. Convenhamos: soa um tanto quanto démodé lançar mão dessa noção nos dias ultracríticos e radicalizados em que vivemos. O bom senso parece estar em vias de extinção no mundo político contemporâneo, abrindo espaço para a emergência de figuras claramente destituídas de suas virtudes, como Donald Trump, Rodrigo Duterte e Jair Bolsonaro, para citar apenas alguns. A célebre afirmação cartesiana que abre o Discurso do Método – “o bom senso é a coisa do mundo melhor distribuída”, soa ainda mais irônica quando olhamos para esse quadro.
Sentido prático
Mas, afinal, o que devemos entender por bom senso? Segundo o filósofo francês Henri Bergson (1859 – 1941), ele é uma espécie de sentido como os outros (audição, visão, etc.), mas que, ao invés de nos colocar em contato com os objetos materiais, preside nossas relações com as pessoas – ou seja, é um sentido sócio-político. O bom senso é de natureza eminentemente prática e, segundo Bergson, extrai sua força de um espírito de justiça vivo e realista.
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Nas palavras do filósofo, o trabalho do bom senso é o de “prever ou pressentir a consequência de nossos atos, distinguir, em matéria de conduta, o essencial do acessório ou do indiferente, escolher entre as partes possíveis aquela que irá proporcionar a maior soma possível de bens realizáveis, e não imagináveis.” Para efetuar esse trabalho, o bom senso requer de nós a capacidade de se ajustar às situações novas, encarando todo problema como novo; para isso, ele exige que sacrifiquemos as nossas opiniões já formadas e deixemos de lado as soluções que já havíamos alcançado anteriormente.
Exemplo francês
Os franceses parecem ter se valido bastante desse bon sens quando da eleição de Macron. Diante de um cenário de descrença com os partidos políticos e as figuras tradicionais, preferiram apostar em um nome novo que pregava a renovação, mas que não fazia apelo a radicalismos ou a promessas de ruptura institucionais. Desse modo, o mundo político francês parece ter sido capaz de adaptar-se aos novos tempos, oferecendo uma opção eleitoralmente viável e capaz de promover avanços dentro dos limites e consensos já estabelecidos.
Até agora, a alternativa Macron tem se mostrado uma saída criativa e inovadora aos impasses franceses, que nos faz olhar para a terra de Asterix com uma certa inveja! Afinal, faltando pouco mais de seis meses para o primeiro turno das eleições, vemos pouquíssimos sinais de que o mundo político brasileiro esteja fazendo algum esforço para fazer as pazes com o bom senso. Ele é, até aqui, o grande ausente do debate pré-eleitoral.