“Rei morto, rei posto!” A frase designada para tratar da morte de um rei e a escolha de novo soberano também pode representar a história da família imperial brasileira. Após a queda da monarquia, em 1889, poucos são os estudos que se dedicam à história de membros da família que não ocuparam o trono. Os trabalhos se concentram em figuras como o rei d. João VI (1767-1826) e dos imperadores d. Pedro I (1798-1834) e d. Pedro II (1825-1891). Descendente da princesa Leopoldina (1847-1871), filha mais nova de d. Pedro II, d. Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança tenta, aos poucos, descortinar trajetórias que para ele são familiares, assim como em seu novo livro Dona Januária: a princesa da independência, publicado recentemente pela Editora Senac.
Dona Januária de Bragança (1822-1901) foi uma das filhas do imperador d. Pedro I. Nascida em 1822, no Rio de Janeiro, ano em que o Brasil se separou de Portugal, ela ficou conhecida como a “Princesa da Independência”, mas poderia representar muito bem a tese de que o poder é efêmero. Para se ter ideia, d. Januária foi filha de um imperador, teve dois irmãos ocupando um trono (d. Pedro II, no Brasil, e dona Maria da Glória, em Portugal), uma de suas irmãs (dona Francisca) foi casada com um príncipe filho do “moderno” rei Luís Felipe (1773-1850), da França, além de ter casado com um príncipe italiano cujo irmão era rei das Duas Sicílias. Todo esse império familiar caiu por terra antes de sua morte, em 1901.
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O reino em que seu marido era príncipe, Luís Carlos, Conde de Áquila (1824-1897), não existia mais, rendido pela unificação italiana. O império de seu irmão caíra no Brasil, em 1889. Os Orléans, parentes de sua irmã, já não mandavam mais na França, e a monarquia portuguesa dava seus sinais de fraqueza. A morte da princesa em Nice, em condições de bastante simplicidade financeira, representa o desfecho e decadência de uma família acostumada com as benesses do poder. Mas, como em quase todas as histórias de famílias reais, a de dona Januária teve um ingrediente a mais: seu marido entrou nas páginas da história como um “golpista” sem sucesso. O que d. Carlos tenta amenizar no livro, apesar de todos os indícios.
Como d. Pedro II ainda não tinha filhos, dona Januária e o marido teriam que ficar no Brasil até que o imperador tivesse seu primeiro herdeiro. O tratado de casamento de dona Januária chama a atenção: para garantir a sucessão brasileira, ela e seu marido – mesmo ele sendo estrangeiro – teriam o tratamento de príncipes do Brasil, assim como seus filhos. O Conde de Áquila era irmão da mulher de d. Pedro II, a imperatriz Teresa Cristina (1822-1889). O ambiente que teria tudo para ser o mais familiar possível foi recheado de intrigas que culminaram com o afastamento do conde e sua mulher dos imperadores Brasil – d. Carlos fala da atuação do influente mordomo Paulo Barbosa. Eles saíram do país antes mesmo do casal ter o tão sonhado herdeiro, e nunca mais voltariam ao país. Motivo: d. Pedro II, contaminado por informações da corte, temia pelos planos de usurpação do cunhado.
Na volta à Europa, o marido de dona Januária teve certa estabilidade enquanto seu irmão Fernando II (1810-1859) reinou sobre as Duas Sicílias. O Conde de Áquila teve uma vida sem muito destaque no país até que seu sobrinho assumiu o trono em meio ao movimento de unificação italiana. Francisco II (1836-1894), então, não foi tão complacente como d. Pedro II, seu tio brasileiro, e condenou o Conde de Áquila ao exílio. D. Carlos Tasso cita o estudioso italiano Michele Topa que afirma que estava claro que o conde queria depor o sobrinho e criar uma regência presidida, claro, por ele mesmo. “O Conde de Áquila que aspire ao trono do Brasil”, teria dito o sobrinho na ocasião. “Francisco II, entretanto, estava aliviado de ter se livrado do tio. Tio esse que havia fracassado triplamente: como comandante da frota, como presidente do Conselho Naval e como governador da Sicília – este último cargo recebido ainda do irmão Fernando II”, escreve d. Carlos em um trecho do livro.
Inicialmente o destino de dona Januária e o marido seria Londres, na Inglaterra, mas o casal fixou residência em Paris, capital francesa. O endereço foi a conhecida Avenue de l’Imperatrice, 5, e com a autorização de Napoleão III, envolvido diretamente com o processo de unificação da Itália e sendo assim dos responsáveis pela extinção do reino das Duas Sicílias. O padrão de vida do Conde continuou como ainda vivesse na corte – aliás, uma de suas casas na Itália até hoje é usada como uma das residências oficiais do presidente da República, a charmosa Villa Rosebery, em Napóles. Era esse estilo de vida que ele pretendia manter como exilado e que lhe custou o pouco dinheiro que conseguiu levar. A conta então chegou, móveis e outros objetos chegaram a ser leiloados para pagar dívidas e foi então que tanto d. Pedro II e sua madrasta, a imperatriz Amélia [segunda mulher de d. Pedro I], criaram uma rede de apoio para ajudar o casal.
A exemplo dessa rede de relacionamento, o livro não trata apenas de disputa de poder. É possível ver, por exemplo, uma versão pouco explorada de d. Pedro II: um homem “comum”, que longe do trono, era preocupado com sua irmã, com seus sobrinhos. E até mesmo tinha seus defeitos mortais, como não ser tão próximo do cunhado. Um dos filhos de dona Januária, o príncipe Felipe de Bourbon (1847-1922), chegou a morar no Brasil na tentativa de seguir carreira no Exército. Não decolou. A princesa Isabel, sua prima e herdeira do trono brasileiro, agiu no exterior para que ele não conseguisse um bom casamento – uma carta dela à irmã na Europa é apresentada no livro. Católica fervorosa, a princesa chegou a comentar em carta sobre o primo: “Só gosta de caçadas e cavalos. Não é religioso. Não acredita em nada. Paris o deixou assim”. Felipe casou com uma mulher fora da realeza. Depois com uma condessa. Seguiu outros rumos e não deixou filhos.
A história contada por d. Carlos Tasso é mais um capítulo de seus estudos sobre a Família Imperial. Ele já publicou, entre outros, o importante A intriga, que descortina o falso mito de que as filhas de d. Pedro II escolheram seus maridos “por amor”. D. Carlos, como membro da realeza, tem como fontes arquivos como o Bourbônico de Nápoles e da Casal Real da França, até então inéditos para estudiosos brasileiros, que poderiam ainda encontrar dificuldades na leitura de textos que vão desde o italiano ao alemão. Apesar de ser ter o mesmo sangue, o príncipe segue em mais um trabalho que merece ser lido por curiosos e mesmo pesquisadores sobre o século 19 no Brasil, ainda mais nesse ano de 2022, em que comemoramos os 200 anos de nossa independência e que temos ainda muita história para rever e contar.
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