Daniela Castro e Vinícius Sousa *
Em parte da sociedade civil organizada, a percepção é de que o Brasil está em início de reconstrução, após as eleições presidenciais do corrente ano. A formação da equipe de transição, com apoio de grupos técnicos multitemáticos, reforça a impressão de que, após longos quatro anos, o Brasil focará novamente em políticas públicas que, de fato, enderecem os grandes problemas nacionais: fome, saúde, educação, entre outros. Contudo, em um país dividido e com desafios para governabilidade, tal percepção somente se materializará com a participação ativa e constante da sociedade civil.
É fato que, desde a redemocratização do Brasil, em 1985, as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) – sejam elas inciativas formais ou informais, fundações e institutos empresarias, Oscip e OS, ou negócios sociais – foram grandes propulsoras do desenvolvimento da cultura de participação política no país, ao atuar de modo a garantir que os cidadãos sejam membros ativos do sistema político, e incorporar os valores de publicidade e fiscalização dos Poderes constituídos dentro do processo decisório.
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Em 2013, a experimentação política da sociedade civil alcançou novo patamar. Após as manifestações de rua que marcaram aquele ano, algumas tendências de participação se concretizaram e são destaques até os dias atuais. Como primeiro exemplo, as redes sociais se tornaram elemento indispensável do exercício de cidadania, sendo um dos principais canais de manifestação e mobilização política. Outro destaque é o uso do termo “empreendedorismo cívico”, que representou a criação de múltiplas iniciativas para fomentar a participação direta de cidadãos na construção e implementação de políticas públicas.
Após dez anos, 2023 precisará recuperar o legado inovador das jornadas de 2013, para simbolizar novo momento de ressignificação da participação da sociedade civil no cotidiano político brasileiro. Para tanto, será necessário romper com os resquícios dos últimos quatro anos, marcados pelo esforço do atual governo em minar a participação de agentes da sociedade civil em processos de formação, implementação e avaliação de políticas públicas. Logo, os próximos anos demandarão que a sociedade civil converta em realidade as expectativas positivas sobre o futuro governo.
A considerar os desafios que nos esperam no ano que vem, elencamos neste artigo três “jogos a vencer” da sociedade civil que, em nossa perspectiva, podem fazer toda a diferença. Mais de 30 anos após a redemocratização, o terceiro setor alcançou a fase “adulta” há bastante tempo e, mais do que nunca, chegou a hora de avançar em discussões sobre a maturidade de sua atuação.
PublicidadeDesse modo, o maior “jogo a vencer” das organizações nos próximos quatro anos está relacionado a necessidade de ter compromisso efetivo com o impacto social em escala. Desenhado por meio de Teoria da Mudança e pactuado em planejamento estratégico, a busca pelo impacto precisará ser prática comum das organizações da sociedade civil, para que a agenda pública a ser defendida tenhas metas claras e ambições a serem concretizadas.
Nesse contexto, o advocacy se apresenta como elemento-chave. Segundo um dos autores deste artigo, Daniela Castro, em seu livro “Advocacy: Como a Sociedade pode influenciar os rumos do Brasil”, advocacy pode ser definido como um conjunto de estratégias capazes de promover mudanças comportamentais, políticas e sistêmicas. O foco é no longo prazo e nas mudanças que se deseja ver no país e na sociedade. Para tanto, o alcance das metas planejadas pode ocorrer de múltiplas formas, por meio do uso de estratégias como lobby, produção de conhecimento, coalizões e comunicação e mobilização.
Ademais, a atuação em advocacy torna indispensável às organizações o diagnóstico atualizado da conjuntura político-social em que atuam e das políticas públicas, de modo a ter os stakeholders relevantes mapeados e com perspectivas de articulação, a conhecer os riscos e as oportunidades e, sobretudo, a não perder de vista as causas-raízes dos problemas a serem endereçados.
O segundo “jogo a vencer” é a sustentabilidade financeira. Atualmente, organizações sociais possuem oportunidades de captação de recursos que não se resumam a custear ações e projetos pontuais, mas a construção de capacidades institucionais, em termos de formação de equipe e investimento em tecnologias para criação de agenda ampla de atuação. Como argumentado por Joice Toyota e Erika Sanchez em recente artigo, as OSCs atravessam novo paradigma de relação com o doador – o “Novo Doar” – com o enfoque na ampliação de confiança, corresponsabilidade e colaboração quanto ao valor doado.
O olhar para o impacto social por meio do advocacy pode concretizar a busca pela sustentabilidade financeira, ao aproveitar este momento de reconfiguração das formas de doação. O planejamento com metas claras de impacto em políticas públicas e indicadores pode ajudar a sensibilizar e garantir aos doadores maior visibilidade sobre o retorno de alta escala do seu investimento social a curto, médio e longo prazo.
Em sintonia com o segundo, o terceiro “jogo a vencer” diz respeito ao compromisso com a construção de capacidades institucionais. Os próximos anos exigirão que as OSCs sejam criteriosas na seleção e formação de profissionais para sua equipe, não perdendo o foco das competências técnicas e socioemocionais que a respectiva atuação demanda. Ademais, tal processo precisa vir acompanhado da criação de rotinas de gestão de conhecimento e memória institucional, de modo a amenizar possíveis impactos do turnover de profissionais, observação recorrente e sempre citada por gestores de organizações pequenas ou de maior porte do terceiro setor.
Ainda sobre capacidades institucionais, é preciso ter atenção especial para dados e tecnologias, sobretudo no desenvolvimento de produtos digitais e formas inovadoras de interação e defesa de causas. Como citado no início deste artigo, há dez anos as redes sociais entravam para ficar no cotidiano do terceiro setor, se tornando a principal vitrine para suas ações. Agora, os desafios estão em aprimorar o uso de plataformas em nuvem, para facilitar o armazenamento e compartilhamento de dados, e criar soluções tecnológicas que ampliem o impacto social das respectivas causas.
A reconstrução do país e suas políticas públicas, sucateadas ao longo dos últimos quatro anos, exigirá dos agentes da sociedade civil a necessidade de se reinventar e atuar como construtores das mudanças que se deseja. Não basta ter vontade de ajudar, é preciso estar preparado, com planos concretos e visão clara sobre como contribuir. Talvez os “jogos a vencer” citados não terminem nos próximos quatro anos, mas é preciso avançar. Pelo bem da atuação da sociedade civil. Pelo bem do Brasil.
* Daniela Castro é diretora-executiva da Impacta Advocacy e COO da Siga Latin America. Vinícius Sousa é analista de Projetos da Impacta Advocacy, negócio social que desenvolve e atua em projetos de alto impacto e escala, contribuindo para a solução de problemas socioambientais e econômicos do Brasil.
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