Nesta terça-feira 4 de maio a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados propõe uma audiência pública com um curioso título: “Formação de professores e a qualidade dos recursos empregados no sistema educacional”. O título do evento é curioso, o tema é oportuno.
O título é curioso por duas razões. Primeiro porque coloca como questão principal a formação dos professores. Ou seja, já pressupõe que esse é o problema ou um problema que merece atenção. Segundo porque associa o tema da qualidade a recursos. Estaria o Congresso Nacional interessado em saber se estamos formando gente demais? De menos? Com a qualidade esperada? Com custos adequados? Com impacto compatível com o custo? O debate tornará isso mais claro.
Além do curioso título, o seminário também é oportuno, pois dezenas de parlamentares são candidatos a prefeito. E os que não o são apoiam prefeitos nos municípios de seu interesse. Neste artigo discuto algumas ideias que apresento no referido evento, e que podem ser úteis para os parlamentares interessados em melhorar a educação no seu município.
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Comecemos pelo fim. A formação de professores é um meio. O fim é um ensino de qualidade. E um ensino de qualidade depende de ter um bom professor na sala de aula. A formação do professor é essencial. Porém, é preciso entender o que é formação e o que dizem as evidências a respeito das diferentes maneiras de formar e recrutar professores.
O que dizem as evidências sobre o que é um bom professor? Duas ideias muito importantes. Primeiro, o professor precisa dominar o conteúdo do que vai ensinar. Segundo, o professor precisa saber ensinar.
E o que dizem as evidências sobre o ensino de conteúdos? Aqui não há segredo – desde, pelo menos, a Idade Média, as universidades desenvolveram diferentes modelos tanto para o ensino acadêmico quanto para o ensino profissional.
PublicidadeQuanto à aprendizagem de conteúdos possuímos duas informações valiosas. Maior o talento, maior a probabilidade de aprendizagem. Mas isso não basta, o esforço e dedicação tanto podem compensar quanto exponenciar o talento. Portanto, para escolher quem deve ensinar é necessário avaliar o que as pessoas efetivamente sabem sobre o que irão ensinar – independentemente do talento e da forma como aprenderam. Bons professores devem possuir um conhecimento profundo das disciplinas que ensinam, das ciências que estão por detrás delas e da estrutura mais adequada para organizar e transmitir esse conhecimento. Mas não precisam saber sobre currículos – pois currículos podem mudar ao longo da vida dos professores. Se quisermos sofisticar um pouco mais o processo de seleção podemos exigir que também conheçam o suficiente sobre o desenvolvimento humano, especialmente o desenvolvimento do cérebro e suas implicações para os processos de aprendizagem e socialização de crianças e jovens, conforme o caso.
Mas não basta saber conteúdo, é preciso saber ensinar. E como ensinar alguém a ser professor? Os requisitos para a formação profissional de professores se assemelham à dos profissionais de saúde – os futuros profissionais aprendem observando, convivendo e recebendo feedback de profissionais experientes. Nos países de tradição germânica, por exemplo, o sistema de formação de professores segue os mesmos princípios do sistema “dual” de formação profissional: metade no tempo na escola e metade discutindo com professores experientes o que observaram na escola. É aí que entram as teorias – e só interessa aquelas que oferecem respostas concretas às questões práticas que o professor enfrentou diante dos alunos.
Em alguns países a formação profissional se dá por meio de estágios probatórios supervisionados ao longo de 1 a 3 anos, geralmente realizados em escolas que funcionam bem, asseguram ao futuro professor modelos concretos de como devem agir para promover aprendizagem dos alunos. O nome do jogo é prática supervisionada com feedback construtivo e qualificado.
Moral da história: a roda não precisa ser reinventada. Concursos bem feitos podem avaliar se candidatos a professor dominam os conteúdos das disciplinas que querem ensinar – não importa o curso superior que fizeram. Isso ampliaria enormemente a quantidade de potenciais interessados no magistério. E, se o exame for rigoroso, também amplia a qualidade do corpo docente. O maior desafio reside em organizar estágios probatórios de alta qualidade.
Quem quiser seguir essa via só terá boas notícias. Se conseguirmos recrutar professores muito bem formados, a tarefa do estágio probatório pode ser grandemente aliviada. O programa Teach for America, por exemplo, recruta excelentes alunos de excelentes universidades, oferece a eles um treinamento intensivo de altíssimo nível, em 5 semanas, e algum acompanhamento posterior. A maioria desses jovens professores, ao final de dois anos, tem desempenho equivalente aos melhores professores.
Outra boa notícia. Se qualquer graduado qualificado puder se candidatar a vagas de professor – independentemente do curso que fez na graduação –, há chances de aumentar a concorrência e a qualidade dos candidatos.
Mais notícia boa. Existe um precedente legal interessante – a contratação temporária de profissionais – que já se tornou comum em cargos técnicos das Forças Armadas. Nada impede que a legislação seja estendida para quem quiser ser professor.
Outro ponto que merece atenção é o aumento do número de pessoas adultas qualificadas – como também o aumento do seu horizonte de vida. Ou seja: muitas pessoas de meia idade e “jovens aposentados” podem ser professores por pelo menos uma boa dezena de anos.
E para concluir o rol de boas notícias: praticamente tudo que está dito acima pode ser feito no âmbito de um município ou estado – sem necessidade de legislação.
E cabe um lembrete final: a demanda por professores vai se reduzir dramaticamente em função das mudanças demográficas e do maior tempo necessário para as pessoas se aposentarem.
Portanto, se um prefeito ou governador quiser dar um salto de qualidade na educação, ele já dispõe de todos – ou quase todos instrumentos – para transformar profundamente o perfil dos docentes de sua rede de ensino. Mas, para fazer isso, é preciso enfocar a questão da “formação dos professores” a partir de uma ótica científica e pragmática.
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