“Você nunca teve um amigo que fez merda?”. A frase faz parte de um e-mail indignado e cheio de xingamentos enviado por uma leitora bolsonarista esta semana. Bem, respondendo diretamente a ela: eu nunca tive um amigo que, mesmo sendo advogado e, portanto, sabedor das leis, tenha recebido a polícia com tiros de fuzil e três granadas. Nunca tive um amigo que agisse assim mesmo não sendo advogado. E espero que nunca tenha.
Mas a frase mostra que há pelo menos em volta de parte do eleitorado bolsonarista uma cápsula resistente que nunca fura, que nada fura. Depois do impacto inicial, logo depois da primeira respirada, o imaginário dessas pessoas já começa a construir alguma justificativa que isenta qualquer episódio de maior gravidade. E a vida segue.
Veja o comentário em vídeo:
Como mostrou o Congresso em Foco, a pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira (26) aponta para um aumento além da margem de erro da rejeição de Jair Bolsonaro, do PL, que tenta a reeleição depois que seu amigo, o ex-deputado Roberto Jefferson, “fez merda” ao receber a tiros e granadas a Polícia Federal, ferindo, inclusive, dois agentes. Segundo a pesquisa, a rejeição a Bolsonaro subiu de 46% para 49%.
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Mas, do ponto de vista das intenções de voto, da corrida eleitoral, o quadro não se alterou de forma significativa. Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, ficou com 53% de votos válidos e Bolsonaro com 47%. Mais ou menos os mesmos percentuais que têm apontado a maioria das demais pesquisas. Nos votos totais, Lula subiu de 47% para 48%, e Bolsonaro manteve os mesmos 42%.
A pesquisa faz ainda um recorte tentando chegar a um quadro mais provável, o chamado likely voter, que separa somente aqueles eleitores que se declaram com maior probabilidade de ir realmente votar. Como a eleição brasileira retira do cálculo votos nulos, em branco e as abstenções, tentar de alguma forma medir o tamanho dessas ausências é um desafio. Nesse caso, a diferença entre Lula e Bolsonaro fica mais apertada: 52,1% contra 47,9%.
Tudo isso parece mostrar a profunda resiliência do pé de Bolsonaro. Roberto Jefferson, segundo ele próprio declarou em seu depoimento ao ser preso, disparou 50 tiros de fuzil e três granadas contra o pé do seu candidato à Presidência. Se isso provocou algum aumento na rejeição de Bolsonaro, não parece ter se refletido de forma significativa nas suas intenções de voto.
De acordo com uma pessoa próxima da campanha de Bolsonaro, no domingo e na segunda-feira (24) após o banzé produzido por Roberto Jefferson, o clima no comitê bolsonarista era de imensa preocupação. Achou-se de fato que Jefferson poderia ter produzido um desastre para a campanha. Passada a semana, porém, os ânimos desanuviaram. Tudo segue da mesma forma.
O problema para os bolsonaristas a essa altura é que tudo segue da mesma forma com uma vantagem para Lula e desvantagem para eles. De que jeito reverter isso nesses quatro dias que faltam é o grande desafio. Mesmo ali dentro se duvida um pouco do real efeito que possa ter essa tentativa feita pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, de apontar que rádios do Nordeste não teriam colocado no ar parte das inserções de propaganda de Bolsonaro.
O primeiro problema: a justiça eleitoral considera que há necessidade de certa tempestividade na reclamação de tais acontecimentos. E que ela teria passado: a reclamação teria sido feita com atraso. O segundo problema: ainda que isso tenha ocorrido, como de fato comprovar envolvimento direto da campanha adversária nisso? Terceiro problema: há quem desconfie que o mesmo possa ter acontecido ao contrário em rádios do Sul. Vai se verificar isso também? Quarto problema: isso poderá ser concluído e resolvido até domingo? Provavelmente, não. É uma tática para o pós-eleição? Para contestar o resultado? Então, já se considera a eleição perdida?
Os pés parecem relisientes. Mas eles parecem plantados no mesmo lugar…