O governo, com a cumplicidade da oposição, construiu uma alternativa (questionável, no mínimo) para distribuir dinheiro antes da eleição. A retórica sussurra um estado de emergência, a realidade grita a necessidade de Bolsonaro ganhar votos driblando o teto de gastos, a Lei de Responsabilidade Fiscal e os impedimentos da legislação eleitoral.
Qual resultado, afinal, produzirá a PEC?
Até o momento identifiquei três avaliações. A primeira delas já vê nas pesquisas correntes, antes da distribuição do dinheiro, um avanço de Bolsonaro. Pesquisas como da Genial/Quaest e PoderData mostrariam avanços do presidente em grupos significativos, como mulheres e nordestinos. Na linha destes analistas, os “alarmados”, a PEC Kamikaze poderá gerar um impacto muito grande.
Um segundo grupo enfatiza a estabilidade das intenções de voto ao longo do tempo. Seus patamares, para estes analistas, têm oscilado dentro de margens de erro, o que configura mudança nenhuma (o cientista político Alberto Carlos Almeida é enfático no ponto). Associam-se ao diagnóstico da estabilidade os altos índices de rejeição de Bolsonaro, que se mantêm estáveis e acima dos impeditivos 50%, e a alta convicção dos eleitores sobre seus votos: quase 80% dos que declaram voto em Lula e Bolsonaro dizem que não mudarão de posição. Nessa linha de diagnóstico “neutro”, a PEC pode ter algum impacto, mas nada substancial. O argumento de fundo é que as grandes razões para a definição do voto estão dadas e consolidadas.
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O terceiro grupo expressou-se na voz de William Waack em seu artigo “A PEC do desespero de Bolsonaro está ajudando Lula”. Waack argumenta que o espaço imaginário do “cuidado com os pobres” já tem dono: Lula. Do texto depreende-se que uma coisa é o governo criar benefícios ou aumentar seu valor, outra é criar uma imagem sólida de político envolvido com as aflições populares. O autor acrescenta ao seu argumento uma premissa de que programas sociais demoram cerca de seis meses para gerar resultados em termos de votos, e o primeiro turno ocorrerá em menos de três a partir do pagamento dos benefícios. Esta análise poderia ser chamada “contraintuitiva”.
Eu pessoalmente coloco-me numa posição intermediária entre os “neutros” e os “alarmados”. Do lado dos alarmados, entendo que a distribuição de dinheiro melhorará sim a imagem de Bolsonaro e conquistará votos, sobretudo devido aos eleitores – e os seres humanos como regra, aliás, – sobrevalorizarem o imediato. Além disso, o presidente vale-se da máquina pública para estar em evidência todo o tempo, uma força muito relevante para a transmissão de suas mensagens.
Aproximo-me da posição neutra, por outro lado, pois creio que mesmo a PEC não conseguirá gerar um empate entre Lula e Bolsonaro ou mesmo a virada, embora encurtará a distância entre eles. Num cenário eleitoral de segundo turno antecipado, a eleição torna-se uma luta de apenas um round em que só cabe o nocaute. Não creio que Lula será nocauteado pela PEC Kamikaze.
ps: apenas para reflexão do leitor, ficam as questões. Que impacto teria agora um novo escândalo do governo? Abatido em pleno voo? Além disso, será que todo o esforço do Centrão ao aprovar a PEC Kamikaze não será para turbinar Bolsonaro e sua turma para apenas o primeiro turno? É nele que se decidem as eleições para deputados e senadores. O segundo é interesse apenas do presidente e alguns governadores.