Luciano Martins Costa *
Os jornais de quarta-feira (22/10) fazem uma série de digressões na cobertura da disputa eleitoral, levando seus leitores a passear por temas paralelos, como se os editores estivessem saturados com o bate-boca que eles mesmos estimularam.
O Estado de S.Paulo aposta em manchete sobre a crise de abastecimento de água em São Paulo, o Globo destaca entrevista do ministro José Antônio Dias Toffoli, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e a Folha de S.Paulo apresenta explicações para a virada nas intenções de voto, favorável à reeleição da presidente Dilma Rousseff.
Como pano de fundo, os jornais registram reclamações do candidato do PSDB, o senador Aécio Neves, contra os números do Datafolha. Citando a incongruência das pesquisas realizadas na véspera do primeiro turno, que se mostraram distantes da realidade das urnas, o ex-governador de Minas Gerais fez blague da suposta vantagem de sua oponente.
Os jornais observam que os indicadores funcionaram como um balde de água fria sobre o ânimo dos eleitores da oposição. O Estado de S. Paulo insere a questão hídrica no centro das controvérsias eleitorais: o jornal paulista dá voz ao presidente da Agência Nacional de Águas, o petista Vicente Andreu, que alerta para o risco de São Paulo ter que retirar água do lodo no fundo do manancial da Cantareira.
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Em defesa de seu instituto, a Folha afirma que uma onda de otimismo com a economia ajuda a explicar a reação de Dilma Rousseff nas pesquisas: nova rodada, realizada na terça-feira (21), confirma a virada da presidente sobre Aécio Neves, com 52% dos votos válidos contra 48% do tucano.
PublicidadeO Globo aposta em entrevista crítica com relação aos ataques pessoais que marcaram a campanha, mas, em editorial, se junta à opinião manifestada pela Folha de S.Paulo na semana passada, quanto ao problema da falta de água: o jornal carioca também admite que houve “inépcia administrativa” do governo paulista diante dos fatores climáticos previstos há muito tempo, que indicavam a insuficiência das chuvas no Sudeste.
O editorial dá um jeitinho de compartilhar a responsabilidade com o governo federal, mas reconhece que o governador de São Paulo deixou de tomar medidas preventivas que poderiam reduzir a gravidade do problema.
A trégua dos canhões
Tudo isso soa como tergiversação. O leitor e a leitora escolados na interpretação crítica do texto jornalístico hão de observar que os principais diários de circulação nacional evitam assumir publicamente a decepção que aflige as redações com a queda no desempenho de seu candidato. Aécio Neves já não parece despertar o ânimo dos editores, e as primeiras páginas dos jornais refletem a falta de um bom factoide para reabastecer a artilharia da imprensa.
Como naqueles intervalos das grandes batalhas, um pesado silêncio indica que a mídia foi buscar munições. Mas alguns colunistas, talvez por falta de sintonia com o momento reflexivo das redações, ainda atiram pedras na candidata da situação: o economista com doutorado em universidade americana, ex-diretor do Banco Central e dono de consultoria esquece seus títulos e resvala na grosseria ao afirmar que a presidente da República não lê seus textos; aliás, ele sugere que ela não lê coisa alguma.
Peças de mau jornalismo como esse artigo justificam em grande parte a percepção de alguns analistas: acomodada sob o guarda-chuva protetor da imprensa hegemônica, a oposição política aos governos do Partido dos Trabalhadores amoleceu e perdeu a fibra. Ao aceitar a tutela da mídia tradicional, o PSDB se tornou relapso em sua função de pensar o país por uma ótica diversa daquela que predomina em Brasília há treze anos. Uma colunista do Estado de S.Paulo, em texto no qual chama o ex-presidente Lula da Silva de “herói sem caráter”, diz que a oposição é tíbia e errática.
A certeza do respaldo da mídia parece ter desobrigado os pensadores da oposição de caprichar na qualidade de suas manifestações públicas, e até intelectuais antes respeitados se deixaram envolver no discurso bizarro produzido pelos pitbulls da imprensa.
Na reta final da disputa eleitoral, jornalistas, empresários e executivos com altas responsabilidades dão curso a boatos e mitos nas redes sociais para tentar influenciar os indecisos. Articulista versado em ofensas se converte em crítico da baixaria; editorial pede mais respeito aos eleitores depois de estimular a pancadaria; o cabelo da ex-ministra Marina Silva vira assunto de política.
E os jornais fingem que não têm nada a ver com o baixo nível da campanha.