Dois episódios ocorridos no Brasil e que revelaram o descompromisso com a vida e a simpatia com métodos nazistas trouxeram toda uma carga de perplexidade e indignação à nossa gente. Em pleno século 21, há quem ainda despreze a história e seus ensinamentos. Com esse cenário, proponho algumas reflexões.
“Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la”. Esta frase é atribuída à escritora britânica Evelyn Beatrice Hall, que escrevia sob o pseudônimo de S.G. Tallentyre, conhecida por ter feito a biografia de Voltaire, obra intitulada “Os Amigos de Voltaire”.
Na atualidade, tal frase sempre aparece como evocação ao princípio da liberdade de expressão, um instituto que, infelizmente, tem sido travestido de um perigoso recurso a quem hoje defende ideias e ideologias que agridem valores humanitários primários e fazem apologia a crenças como o nazismo, já tão identificado e esmiuçado como uma página deplorável da nossa história.
É claro que quem defende princípios democráticos sempre tenta garantir voz e lugar de fala, além dos meios para expressão, para todas as correntes de opinião.
No entanto, tal princípio, com essa extensão e essa percepção, não pode ser absoluto, não pode ser levado ao pé da letra sem a devida contextualização histórica.
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A frase atribuída à escritora britânica teria contextualização nos anos de transição do século 19 para o século 20, quando vivíamos um tempo bem distinto da ambiência de intolerância, insanidade e banalização dos ódios viscerais que hoje experimentamos.
PublicidadeNo tempo presente, uma outra frase tem se constituído em antítese, uma espécie de antídoto, para esse quadro extremamente preocupante.
A frase expressa na ideia de Umberto Eco, escritor e filólogo italiano, diz que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”.
Crítico do papel das novas tecnologias no processo de disseminação de informação, Umberto Eco afirma que as redes digitais (corroborando o que afirma o escritor brasileiro Frei Betto de que “de sociais essas redes não têm nada”) tem proporcionado a dilação do alcance a uma “legião que antes falava apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”.
Quando fez esta declaração, Umberto Eco recebia o título de “doutor honoris causa” em Comunicação e Cultura, na Universidade de Turim, no norte da Itália. Portanto, é uma afirmação que merece ser considerada com a legitimidade de quem consegue interpretar o que expressa a alma humana, naquilo que sente de bom e de ruim.
Na atualidade, a difusão de ideias nefastas e prejudiciais a princípios humanitários e ao convívio em sociedade precisam ser vistas e interpretadas à luz do que significa o esteio de plataformas digitais que dão velocidade e intensidade a essas ideias desprovidas do mínimo senso de urbanidade.
É verdade que as facilidades advindas com as novas plataformas digitais estão proporcionando um protagonismo no mínimo preocupante.
Ora, se qualquer um acha-se hoje no direito de propagar e difundir ideias nazistas com notória naturalidade, como se não estivesse cometendo crime, todos nós corremos riscos.
Aqui, vale lembrar os episódios da última semana, em que saudações e defesas nazistas foram protagonizadas de forma tão banal que precisaram ser rechaçadas de imediato. Também por isso. acenderam um sinal de alerta para todos nós que acreditamos na democracia e nos valores humanitários.
Ficamos em uma condição de sobreaviso para não capitularmos perante a necessidade de promovermos a defesa de uma sociedade em que o valor mais sagrado é o direito à vida!!!