No domingo (23), o ex-deputado Roberto Jefferson recebeu com tiros e granadas uma equipe da Polícia Federal que se dirigiu à sua casa unicamente para cumprir com sua tarefa. O presidente Jair Bolsonaro pode fazer todas as ginásticas retóricas que quiser para tentar agora se descolar da sua notória aproximação com Roberto Jefferson e com o fato de “Bob Jeff” ser um entusiasmado aliado dele. Mas ainda que Roberto Jefferson fosse um total desconhecido, sua atitude violenta ao ser recebido pela polícia é a demonstração cabal dos riscos de uma população armada, como prega Bolsonaro.
“Somente os ditadores temem o povo armado”, disse certa vez Bolsonaro. No domingo, Roberto Jefferson demonstrou como, ao contrário, o “povo armado” pode ser um risco para a democracia. Bolsonaro defende armas para os “cidadãos de bem”. Roberto Jefferson deixou claro que não há como garantir que o “acesso às armas” chegue apenas aos “cidadãos de bem”. Um “cidadão de bem” não recebe a polícia com tiros e granadas. E quem afirma isso não é algum oposicionista. É o próprio Bolsonaro, que disse que Roberto Jefferson agiu como “um bandido”. Em resumo, um aliado de Bolsonaro – e não adianta o esforço para negar isso – atirou em policiais por ser um defensor entusiasmado do armamento da população, demonstrando da forma mais clara possível qual é o risco real desse armamento.
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Em entrevista ao My News, a dentista Andréa Barbosa, ex-mulher do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello contou que ele e sua equipe do ministério fizeram uma festa regada a uísque em Manaus enquanto ali estavam para atuar – ou não atuar – na tragédia da falta de oxigênio para as vítimas da covid-19. Em apenas dois dias, mais de 30 pessoas morreram asfixiadas. Andréa narra que não apenas Pazuello parecia despreocupado com isso como reunia sua equipe para tomar uísque. E respondia a ela, segundo o seu relato, que a preocupação dele no momento era “comprar sacos pretos” para enterrar os mortos.
No caso, pelo menos, Bolsonaro nunca procurou se desvencilhar do seu general com cara de Sargento Garcia, embora tenha acabado por demiti-lo do Ministério da Saúde. Mas Pazuello manteve-se por perto e, por um desses mistérios que um dia a psicologia de massas haverá de desvendar, ainda se elegeu agora deputado federal.
Mas caso se precise reforçar a similitude, Bolsonaro, quando questionado sobre as mortes pela covid-19, respondeu: “E daí? Não sou coveiro”. Imitou gente morrendo por falta de ar. Enfim, da mesma forma aparentemente só se preocupou em providenciar os “sacos pretos”. Mais de 700 mil mortos pela covid…
Da África, o escritor Mia Couto, que, apesar de moçambicano, declara profundo amor pelo Brasil, disse, em entrevista ao jornalista Jamil Chade, correspondente do UOL em Genebra, na Suíça, que o que estará em jogo no Brasil no próximo domingo (30) é “a ideia de humanidade”.
Os tiros e granadas de Roberto Jefferson desfazendo completamente a ideia de que armas fáceis são para os “cidadãos de bem”, e o uísque no lugar do oxigênio de Pazuello – a síntese do “E daí? Não sou coveiro” – traduzem a frase de Mia Couto. No próximo domingo, o Brasil irá provar se preserva ou não a “ideia de humanidade”.
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