Para quem, como eu, nasceu no estado do Ceará, o dia 25 de março, transcorrido na última sexta-feira, é motivo de uma comemoração que, como costuma dizer o nosso conterrâneo nordestino, nos faz sentir um pouco mais gabola.
Toda pabulice é pouca para nos definir quando nos referirmos ao 25 de março de 1884, a data em que a província do Ceará decretou o fim da escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea, que acabou oficialmente com essa prática no Brasil.
O pioneirismo cearense neste campo ganha magnitude e expressão, algo que nos orgulha tanto como o fato de termos sido o estado a criar a primeira Secretaria de Cultura no Brasil ou até mesmo o fato de termos emprestado a primeira mulher a integrar a Academia Brasileira de Letras, no caso a nossa conterrânea Rachel de Queiroz.
Para marcar a data do 25 de março, a Assembleia Legislativa do Ceará, numa iniciativa do então deputado Lula Morais (PCdoB) e quando, para minha honra, eu exercia o cargo de presidente do Poder, instituiu como feriado estadual, em vigor desde 2011, em que o dia 25 de março passou a ser referenciado como a Data Magna do Ceará.
Nosso estado é conhecido como “Terra da Luz” exatamente por ter sido a primeira província a abolir a escravatura, fruto da mobilização de abolicionistas e outros agentes que foram se incorporando aos movimentos de libertação dos escravos.
Aqui no Ceará, por exemplo, temos um personagem que ganhou relevo exatamente por ter se engajado na luta abolicionista e passou a ser conhecido como o Dragão do Mar, que hoje dá nome a um Centro Cultural em Fortaleza, numa homenagem a Francisco José do Nascimento, conhecido como Chico da Matilde.
Na ambiência do seu ofício laboral, ele convenceu os jangadeiros cearenses a não fazerem mais o transporte de escravos para os navios negreiros fundeados na costa cearense e que seriam levados para outras províncias. O Dragão do Mar, por assim dizer, fechou o porto de Fortaleza para o embarque e desembarque de escravos.
É claro que, ainda hoje, temos bandeiras de lutas em que se tenta afirmativamente compensar o que fora o malefício da escravidão.
É claro que nos dias atuais ainda acumulamos um passivo que demanda políticas compensatórias àqueles que sofreram as agruras da escravatura.
Somos devedores de ações suplementares à própria abolição, como pediam à época os abolicionistas, como reforma agrária e concessões de terras, ou atos de reparação que possibilitassem condições objetivas de sobrevivência da população negra ou, ainda mais, ações que que lhes permitissem aos libertos a integração à sociedade.
A estimativa dos historiadores é que pelo menos uma população de mais de um milhão e meio de pessoas tenha sido relegada à própria sorte.
Num recorte histórico, com uma remissão de 138 anos após a pioneira abolição da escravatura registrada no Ceará, temos a certeza de que há muito ainda por fazer para compensar os 388 anos de escravidão que o nosso país patrocinou.
O abolicionismo amparado pela Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel e aprovada pelo Senado do Império, no dia 13 de maio de 1888, não constituiu a garantia do fim da escravidão.
E não precisamos nem buscar explicar essa expressão no “latu sensu”.
Infelizmente, mesmo depois de 132 anos da abolição oficial da escravatura, o Brasil ainda tem a população negra como sendo o maior contingente entre os desempregados e entre a população carcerária. É a população com menor margem de acesso aos estamentos superiores de nossa pirâmide social.
Cenário que está a nos desafiar cotidianamente. A construção de um Brasil mais solidário, menos desigual e mais fraterno ainda está por vir.
E, mais uma vez, faço alusão ao momento em que seremos chamados a decidir sobre o futuro do país com as eleições que se avizinham, quando teremos a possibilidade de decidir sobre questões cruciais e como queremos trabalhar para tirar parte significativa da nossa população, a maioria negra, entre os que vivem na pobreza ou na pobreza extrema, se queremos mudar os parâmetros para compensar o amparo aos que dispõem de menos escolaridade e que continuam padecendo de um preconceito crônico em nossa sociedade.
Quando pontificamos como o estado brasileiro com a melhor educação pública do país, com nada menos que 82 escolas entre as 100 melhores do Brasil na avaliação do Ideb, sem muita gabolice posso afirmar que temos tido a coragem de mudar as bases de construção de uma sociedade que se pretenda mais igual e inclusiva.
Que o nosso 25 de março seja sempre um marco e uma referência magna na perspectiva de sinalizar para onde queremos ir no desafio de construir o futuro.
A história como bússola para orientar o futuro
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