Alexis Fonteyne *
Com a retomada da tramitação da PEC 110 no Senado, os debates sobre as propostas de mudança no sistema de impostos do país se acaloram e alguns setores da economia, como o de serviços, comércio e parte do agronegócio, se posicionaram, enfaticamente, de maneira contrária ao relatório apresentado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
Os argumentos são de que, caso o texto seja aprovado da maneira que está, esses setores serão prejudicados pelo aumento da carga tributária global ou em produtos e serviços específicos. Essa argumentação me lembra aquela fábula da cobra na fazenda, vocês conhecem? Ela é mais ou menos assim:
Um dia, uma cobra entra em um celeiro de grãos de uma fazenda de grande porte. O rato, completamente apavorado, corre para avisar a galinha, o porco, e o boi. Esbaforido, ele grita, quase aos prantos:
– Tem uma cobra no celeiro!! Vocês precisam me ajudar!
A galinha responde:
– A cobra veio te pegar, ela não consegue me alcançar!
O porco por sua vez, desdenha:
Publicidade– O problema é seu, cobras não picam porcos!
E o boi, com ar de desprezo e superioridade, conclui:
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– Este assunto não tem nada a ver comigo, eu sou muito grande para ser derrubado por uma cobra!
Diante da falta de empatia e interesse de seus colegas de fazenda, o rato fica ainda mais apavorado, pois não sabia o que fazer. Os dias se passam sem maiores novidades. Até que, em uma manhã de sol, o dono da fazenda entra no celeiro e é picado pela cobra, ficando muito doente.
Depois de tomar o soro para combater o veneno, ele toma outras providências para se recuperar melhor. A galinha é sacrificada para fazer uma canja. Em seguida, o porco é sacrificado para se tirar o toicinho, o que permite uma refeição mais reforçada para agilizar a recuperação. Depois de recuperado e feliz por ter sobrevivido, o dono da fazenda manda abater o boi para fazer um belo churrasco para celebrar com os amigos e familiares.
Essa fábula se encaixa perfeitamente no debate atual sobre a reforma tributária. Alguns setores da economia, sem uma visão sistêmica do processo, por falta de informação ou mera acomodação, acreditam que, se as alterações no atual modelo significarem a necessidade de se renunciar a certos privilégios eternos, é melhor não fazer nada e deixar tudo como está.
A pergunta que precisa ser feita, sem medo, é: como pode um dos piores sistemas tributários do mundo, o que mais gera contenciosos, sem qualquer transparência e grande gerador de desigualdade social, ser bom para alguém ou para algum setor?
O atual sistema tributário é responsável por um Custo Brasil de R$ 280 bilhões por ano, segundo um estudo feito pelo MBC (Movimento Brasil Competitivo) e inúmeras associações do setor produtivo. Esse número espantoso é traduzido na Mandala do Custo Brasil, eixo motor de trabalho da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo. E impacta na competitividade das nossas empresas, estando diretamente relacionada à taxa de desemprego e à baixa distribuição de renda para os brasileiros.
Para comprovar isso, vejamos como se divide o mercado trabalho brasileiro. De um total de 106 milhões de brasileiros aptos a trabalhar, apenas 33 milhões possuem carteira assinada. Outros 12 milhões são funcionários públicos ou militares. Ou seja, temos uma massa de 61 milhões de desempregados, sem carteira assinada, desocupados, desalentados aposentados e estudantes.
O retrato da distribuição de renda corrobora o problema da massa de desocupados e da profunda desigualdade existe no país: 95% dos brasileiros ganham em média até 5 salários-mínimos. É uma massa muito grande de gente sobrevivendo com uma renda muito baixa por mês.
Se o retrato para os trabalhadores é desalentador, o quadro para quem produz tampouco traz motivos para celebração. Um levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra um dado preocupante: a desindustrialização precoce e acelerada do Brasil e a sua substituição por produtos importados, fruto da falta de competitividade do mercado nacional.
Essa situação é provocada por um processo longo de degradação tributária e de um ambiente de negócios pouco propício a investimentos, o que faz com que seja, muitas vezes, mais barato e mais vantajoso comprar produtos no exterior para revender no Brasil do que investir em linhas de produção no país.
Essa escolha desequilibra nossa balança comercial e faz com que postos de trabalho sejam abertos no exterior e não no Brasil, no processo conhecido por exportação de empregos. Além disso, desconsiderar a indústria nacional é dar as costas à uma poderosa máquina de geração de trabalho e renda.
Essa afirmação fica mais clara quando analisamos o retorno que cada R$ 1,00 de investimentos nos diversos setores gera de retorno para o país. A indústria, por ser naturalmente um setor de cadeia longa e alto valor agregado, é um grande indutor de atividade nos outros setores econômicos. A cada R$ 1,00 investidos na indústria, R$ 2,43 são gerados para a economia como um todo. Na área do agronegócio, o retorno é de R$ 1,75 e, no comércio e serviço, o retorno é de R$ 1,49.
A indústria também arca com a maior carga tributária: 43% em média, além de ter tributos mais complexos e custosos para se apurar. É só na indústria que temos a Substituição Tributária, o Diferencial de alíquota, o conceito de insumo para dar direito ao crédito, o Bloco K, Classificação fiscal e inúmeras alíquotas de IPI, ICMS, PIS e COFINS, tornando o sistema tributário um cipoal penoso e custoso para quem deseja empreender.
Tudo isso perpetua um crescimento pífio da economia há quase uma década, o que faz com o que o país perca inúmeras oportunidades. Os mais de R$ 5 trilhões de contenciosos tributários não deixam ninguém em paz. O nosso sistema tributário é um caos de puxadinhos sem paralelo no mundo.
Muitos preferem o inferno que conhecem, ao invés de aceitar mudanças que vão beneficiar a todos no geral. Isto é um grande erro. Não podemos mais aceitar o atraso e a autossabotagem que fazemos com a nossa economia. Não podemos mais ter a visão míope do porco, da galinha e do
boi, que preferem continuar nas próprias zonas de conforto, sem se abrir para a necessidade de mudanças.
A proposta da reforma tributária (PEC 110), em discussão na Constituição e Justiça do Senado, é baseada nos melhores conceitos internacionais, frutos das experiências já vividas pelos países europeus, asiáticos e da Oceania. Não é um texto típico da nossa criatividade carnavalesca.
O Sistema tributário tem que ser conservador, ortodoxo, fruto de experiências, consolidado e em consonância com as maiores economias do mundo. A PEC 110 é tudo isto. Uma proposta que impacta positivamente de forma sistêmica a economia brasileira e que tem o potencial de destravar a nossa economia.
Negar-se ao debate, ou bloquear avanços por conta de questões paroquiais, significa trabalhar contra o Brasil. E trabalhar contra o Brasil, ao fim e ao cabo, é trabalhar contra nós mesmos, que geramos postos de trabalho e contra os brasileiros, que merecem mais oportunidades e salários mais dignos para sustentar as respectivas famílias.
* Alexis Fonteyne (Novo-SP) é deputado federal e presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo.
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