Nós, brasileiros, somos realmente geniais, a cada dia mais me convenço disso. Pois só no Brasil, onde frutifica a exclusivíssima e delicada jabuticaba, está sendo limpa a cadeira que acolherá um presidente com características únicas no mundo.
E o curioso é que ninguém estranha, parece a coisa mais natural que Jair Bolsonaro tenha passado a campanha inteira levando uma surra de acusações por ter feito declarações taxadas de homofóbicas, racistas, incitadoras à violência, de desprezo pelas instituições democráticas, de apologia à tortura e aos torturadores e não tenha – pelo menos – pedido desculpas ao patrão maior do certame, Sua Excelência o Eleitor Brasileiro. Interessante é que este eleitor que o sufragou nas urnas simplesmente não deu a menor pelota para nenhuma das acusações que ele recebeu. Mesmo diante de gravações em que o capitão-candidato abertamente defendia as mais tenebrosas opiniões, o eleitor dava a tudo ouvidos de mercador, numa prova de que: 1) não acreditava em nada, nem nas imagens e nos sons proferidos de peito aberto pelo capitão; 2) até acreditava que pudessem ser reais, mas não dava a mínima e, por último, 3) acreditava, aplaudia e aprovava tudo.
Não esqueçam tudo o que eu escrevi
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Enquanto isso, do outro lado, alvo de outras acusações, principalmente de ineficiência no comando da Prefeitura de São Paulo, o candidato Fernando Haddad se espremia pra alinhavar razões que não lhe permitiram cumprir as promessas que lhe custaram a derrota na disputa à reeleição. Durante a campanha, por sinal uma das piores que o PT realizou ao longo de sua história, a equipe de Haddad desperdiçou tempo e energia para tentar desmentir fatos e fakes. Entre essas últimas, uma suposta acusação que Haddad teria feito em defesa da pedofilia, fake news trazida para o horário eleitoral e rebatida pelo próprio com a comovente afirmação de que ele é pessoa de família, homem casado e honrado, pai de filhos, alguém que seria incapaz de defender tal prática. Até parecia que Haddad estava debaixo de fogo cerrado, quando o adversário, este sim, tinha – e tem – um caminhão de declarações desastradas a esclarecer.
Bolsonaro, curiosamente, contou apenas com a boa vontade de seus apoiadores. Não precisou desmentir ri-go-ro-sa-men-te nada. Seus eleitores cuidaram em não acreditar em coisa alguma do que o candidato disse em sua longa estrada da vida. No caso dele não teve aquela história de “esqueçam tudo o que escrevi”, de Fernando Henrique Cardoso. Não havia o que esquecer, até porque nunca escreveu nada digno de registro. Nem que mereça esquecimento.
Disse-o-que-disse-e-não-desdisse
E aí reside a mais preciosa jabuticaba já produzida no fecundo solo pátrio: a do presidente que disse o que disse, mas nunca desdisse o que disse e ninguém acredita que disse o que disse e por isso fica o dito pelo não dito e estamos conversados.
A situação fica ainda mais curiosa se considerarmos que, se Bolsonaro não agirá no governo tal como defendeu nas dezenas de declarações da tribuna da Câmara e entrevistas de rádio e TV em quase três décadas de vida pública, então é uma pessoa que não sustenta a própria palavra. Pior: se resolver pôr em prática tudo o que defendeu, o país vai ingressar num período de trevas em todas as áreas, principalmente no setor dos direitos humanos, expressão que não suporta nem ouvir falar porque, para ele, quem defende esses direitos defende mesmo são os direitos dos bandidos, e não os do cidadão de bem.
Se correr o bicho nega, se ficar o bicho some
Agora, se em algum momento ele der uma de Fernando Henrique e negar tudo o que afirmou durante sua longa vida pública – embora tenha sido pintado como um candidato não político, mesmo com 28 anos de mandatos nos costados -, o quadro fica ainda mais tortuoso, porque estará provando com certidão passada em cartório que o que diz não se escreve.
Ou seja: se ele é mesmo tudo o que disse e defendeu, é um perigo para a democracia como os editoriais da grande imprensa no mundo inteiro bem ressaltaram. E, se negar tudo o que disse e defendeu, então estava mentindo o tempo todo.
De uma forma ou de outra, depois de se sentar naquela cadeira que está sendo espanada ali no Palácio do Planalto, a partir de janeiro ele vai ter de tomar uma posição. O diabo é que a posição que vier a adotar, seja ela qual for, é péssima.