Aqui já me referi várias vezes ao “calendário de Ciro Nogueira”.
Recapitulando para quem desconhece. O senador licenciado e ministro-chefe da Casa Civil previu em março passado que Bolsonaro empataria com Lula em intenções de voto em maio, superaria o petista em final de julho e início de agosto e entraria em outubro com possibilidades de vitória no primeiro turno. Também já dissemos aqui que Ciro Nogueira é hábil e experiente; assim, pode ter sido jogada ou pode ter sido previsão com algum fundo de estratégia. Aliás, toda notícia que vem do núcleo da campanha de Bolsonaro é indefectivelmente acompanhada de “de acordo com pesquisas qualitativas…”. Quem sabe o que é real e o que são desejos?
O fato, contudo, é que maio passou com Bolsonaro bastante atrás nas intenções de voto. O agregador de pesquisas do Estadão dava no final do mês passado Lula com 45% e Bolsonaro com 30%, situação que agora piorou, pois o placar é 46% a 29%.
Alguns já afirmaram que a eleição de 2022 será “normal” e decidida pela economia, sem maiores surpresas. Pesquisas e análises tratariam apenas de uma volatilidade sem sentido, um ruído, explorada a fim de vender notícias e consultoria. Não dá para discordar dos fundamentos dessa análise, pois agora temos um presidente no cargo concorrendo à reeleição, a força da economia na determinação dos votos – a “carestia” – e um cenário realmente bastante estável nos índices dos candidatos.
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Não obstante, dada a importância capital da eleição para a civilidade no Brasil, não consigo deixar de olhar o processo eleitoral como uma guerra de trincheiras, na qual a cada dia avalio avanços e retrocessos metro a metro.
Levando então a sério o calendário de Ciro Nogueira, o que se viu desde maio foram dois grandes movimentos na campanha de Bolsonaro como reação à dianteira de Lula.
O primeiro deles referia-se a uma possível participação da primeira-dama Michelle Bolsonaro nas propagandas do PL. Em princípio a ideia surgiu como uma boa jogada, pois Michelle tem imagem própria positiva e poderia atingir um público em que Bolsonaro hoje vai bastante mal, as mulheres. Infelizmente para os planos do PL, a primeira-dama desistiu e cortou essa ação que poderia, ao menos em tese, ter ajudado a campanha do presidente.
O segundo movimento foi a entrada de sola do governo no combate ao aumento dos preços dos combustíveis. Bolsonaro passou a vocalizar a questão diariamente – com ataques à Petrobras e aos governadores – e o Congresso avançou sobre os estados. Com o intuito de baixar o ICMS de gasolina, diesel, gás de cozinha etc., deu um chacoalhão no pacto federativo como há muito não se via.
Nessa guerra de trincheiras, cada dia são metros perdidos ou ganhos. Entre maio e meados de junho, Bolsonaro perdeu terreno diante de um Lula-Alckmin que tem se dado ao luxo de jogar praticamente parado.
A desistência de Michelle Bolsonaro fez o PL perder alguns dias de filmagem e jogou por terra decisões de campanha. E a perda dessa oportunidade com o público feminino exigiu que a campanha do presidente pensasse em alternativas, espaço no qual voltou a ser cogitada a ex-ministra Tereza Cristina para vice na chapa de Bolsonaro. O “acordo” com o general Braga Netto é solúvel, mas são mais alguns problemas para o campo bolsonarista resolver.
O segundo movimento, contudo, é estrategicamente crucial. Bolsonaro, ao entrar na discussão dos preços dos combustíveis e da inflação, assume que esse é o plano das mensagens centrais da campanha. Tira assim protagonismo de suas mensagens da “pauta dos costumes” e da ideologia e escolhe um campo de batalha em que o adversário Lula posiciona-se, hoje, muito melhor. Nesse diálogo, Bolsonaro terá que olhar de baixo para cima o ex-presidente, uma posição muito desconfortável.
Assim, Bolsonaro enfrenta o grande desafio de: primeiro, conseguir conter os preços dos combustíveis e frear a inflação; segundo, transformar isso em mensagem positiva para o eleitorado; terceiro, fazer isso dentro de prazo hábil, isto é, antes de perder apoios de forma irreversível. E, se tudo der certo, ele terá melhorado sua posição na disputa, não garantido a vitória. Metro a metro avançamos rumo a outubro.
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