Konrad Hesse, numa das obras mais importantes do constitucionalismo contemporâneo (A força normativa da Constituição), afirmou: “… a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)”.
O principal responsável pela preservação da ordem constitucional brasileira na atualidade é o Supremo Tribunal Federal (STF). O constituinte originário registrou com todas as letras no art. 102 da Carta Magna de 1988: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.
Obviamente, a guarda da Constituição viabiliza, por derivação, a defesa do Estado Democrático de Direito. Afinal, é inconcebível um regime democrático, que realiza os direitos e liberdades fundamentais, não assentado numa Constituição construída e promulgada como manifestação da soberania popular. Nesse sentido, o art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão já consagrava: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.
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Portanto, o Supremo Tribunal Federal, por ação colegiada ou pela atuação de cada um dos seus integrantes, não somente pode, mas fundamentalmente deve, atuar com a energia necessária, nos limites e segundo os procedimentos da ordem jurídica, para assegurar sua existência, seu funcionamento e, por extensão, a democracia brasileira. A autodefesa do órgão de cúpula do Poder Judiciário, como instrumento de afirmação da institucionalidade democrática, é um dever-poder decorrente da cláusula constitucional expressa no aludido art. 102 do Texto Maior. Pela teoria dos poderes implícitos, existem os meios necessários para a concretização das competências constitucionais, mesmo que aqueles não estejam escritos palavra por palavra. A linha de raciocínio e relações é bastante clara. Sem Supremo em pleno funcionamento não há Constituição em vigor e efetiva. Sem Constituição em vigor e efetiva não existe democracia.
O constituinte originário apontou, ainda, para além de qualquer dúvida, a necessidade imperiosa de defesa da ordem constitucional e a qualificação da máxima gravidade dos atentados contra o regime democrático ao dispor no art. 5o, inciso XLIV, da Constituição: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
É preciso ter em mente que a força da atuação do STF em sua própria defesa e no resguardo do regime democrático terá relação direta com a forma e intensidade dos agravos. Não custa lembrar, num paralelo de todo pertinente, que a legítima defesa de um direito é lícita quando lança mão dos meios e da energia necessária para repelir a agressão injusta de forma eficiente. Diante de afrontas sérias, organizadas e violentas contra a democracia não é aceitável uma ação leniente, frouxa ou que permita avançar os golpismos de todos os gêneros. Uma postura firme e decidida (que não deve ser confundida com autoritarismo) é uma exigência democrática e fundada na Constituição. A falta de intensidade na disposição de defesa das instituições democráticas transforma as cogitações golpistas em ações golpistas e, logo depois, as tentativas golpistas em sucessos golpistas.
É relevante afirmar que numa sociedade sob o império da juridicidade, legalidade e constitucionalidade não é viável fazer o que se bem entende diante de insatisfações e contrariedades. Se alguém não aprecia a atuação do STF não pode invadi-lo, fechá-lo ou promover campanhas públicas nesse sentido. Se alguém não gosta, ou discorda, de algum dos seus ministros ou suas decisões, não pode xingá-lo, ameaçá-lo, surrá-lo, destitui-lo ou matá-lo. Obviamente, também não pode ameaçar os familiares do magistrado (uma suprema covardia, diga-se de passagem) ou afirmar e estimular o descumprimento de decisões judiciais. Nessas hipóteses, devem ser manejados os instrumentos previstos no ordenamento jurídico, notadamente protocolar as representações e manejar as ações pertinentes.
Se alguém discorda da existência do Tribunal, da composição ou da forma de escolha dos membros do STF, deve lançar mão dos expedientes institucionais cabíveis para dar consequência a essa discordância. Com efeito, será preciso convencer deputados e senadores em número suficiente para aprovar uma emenda à Constituição, observadas as demarcações presentes nas cláusulas pétreas.
Também são salutares e necessárias as críticas civilizadas e republicanas, notadamente quando realizadas pelos membros da comunidade jurídica (os operadores do Direito). Por essa via, é possível conformar, com consistência técnico-jurídica, as balizas para a atuação de cada ministro e do colegiado.
Merece especial atenção da cidadania e da comunidade jurídica a temática e as decisões inseridas no chamado ativismo judicial, especialmente para a crucial tentativa de definição de seus contornos e fixação de seus limites.
Por conseguinte, o Estado Democrático de Direito, tal como plasmado na Constituição de 1988, assegura os caminhos legítimos e lícitos para a crítica e contraposição a tudo aquilo que emane do STF e de qualquer outro órgão do Poder Judiciário, de forma colegiada ou individual. Rigorosamente inaceitável é o regresso ao estado de barbárie, materializado em ofensas pessoais, ameaças, violências e ações pretorianas indevidas, notadamente quando estimulado e patrocinado por empresários descomprometidos com o interesse público, perdedores inconformados com resultados eleitorais, indivíduos delirantes e até por graduadas autoridades constituídas.
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