Mudanças na legislação eleitoral e partidária tornaram mais complexa e mais difícil a conversão de votos em mandatos, de um lado, com o fim da coligação nas eleições proporcionais, e, de outro, com a exigência de pelo menos 80% do quociente eleitoral[1] para que um partido ou federação possa ter representação na Câmara. A única exceção está na hipótese de nenhum partido ou federação atingir o quociente eleitoral, quando as vagas seriam distribuídas entre os candidatos mais votados, independentemente do desempenho do partido ou federação.
Quando ainda era possível a coligação na eleição proporcional, como ocorreu até o pleito de 2018, os partidos podiam se unir para somar votos para efeito de atingimento do quociente eleitoral e de obtenção de mandatos na Câmara Federal. Agora, a única hipótese para somar votos na eleição para ocupar cadeira na Câmara dos Deputados é a participação em uma federação partidária, na qual os partidos devem permanecer unidos por pelo menos quatro anos. O prazo limite para criar federações partidárias para o pleito de 2022 expirou em 31 de maio, tendo sido registradas no Tribunal Superior Eleitoral apenas três federações: a do PT/PCdoB/PV, a do PSol/Rede e a do PSDB/Cidadania.
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Para converter votos em mandatos, a legislação fixou até quatro critérios, sendo os três primeiros complementares e aplicados sucessivamente até que todas as vagas sejam preenchidas. O quarto, por sua vez, é alternativo aos três primeiros e só se aplica quando nenhum partido ou federação tiver atingido o quociente eleitoral.
O primeiro desses critérios, o mesmo que já vigorou na eleição de 2018, estabelece que um partido ou federação para eleger deputados precisa ter votos correspondentes, no mínimo, ao quociente eleitoral, podendo eleger tantos deputados quantas vezes atingir o quociente eleitoral, desde que tenha candidatos com votação igual ou superior a 10% do quociente.
Havendo vagas remanescentes, após terem sido eleitos todos os candidatos dos partidos que atingiram o quociente eleitoral e tiveram votação igual ou superior a 10% do quociente, elas serão distribuídas entre os partidos que alcançarem a maior média[2], no chamado sistema de distribuição de sobras.
O segundo critério, uma novidade para estas eleições de 2022, aplica-se aos partidos ou federações que: a) alcançarem a maior média, b) somarem votação igual ou superior a 80% do quociente eleitoral, e c) contarem com candidatos com votação igual ou superior a 20% do quociente eleitoral. Esse critério reduz em 20% a exigência de votação mínima dos partidos ou federações (de 100% do quociente eleitoral para 80% desse quociente), mas dobra a exigência de votação mínima dos candidatos (de 10% para 20% do quociente) como condição para que um partido ou federação possa disputar vagas pelo sistema de sobras, assim como ter chance de eleger representantes para a Câmara dos Deputados.
O terceiro critério somente será aplicado se não houver mais candidatos nos partidos e federações com votação igual ou superior a 20% do quociente. Nesta hipótese, as cadeiras restantes serão distribuídas aos candidatos mais votados das agremiações e federações com apenas duas exigências: maior média e 80% do quociente eleitoral. Nesse critério, deixa de existir a exigência de votação mínima dos candidatos, sendo eleitos os remanescentes de maior votação individual, mesmo que ela seja inferior a 20% do quociente eleitoral.
O quarto critério − que consiste no preenchimento de todas as vagas entre os candidatos mais votados dos partidos e federações, sem qualquer outra exigência − somente será utilizado se nenhum partido ou federação no estado tiver atingido o quociente eleitoral.
Ou seja, para converter votos em mandatos na Câmara dos Deputados, a legislação adota quatro critérios: 1) o primeiro critério requer atingimento do quociente e 10% dele pelos candidatos; 2) o segundo exige maior média e atingimento de 80% do quociente pelos partidos ou federações, além de 20% desse quociente pelos candidatos; 3) o terceiro critério requer maior média e 80% do quociente dos partidos e federações, sufragando os mais votados sem exigência de votação mínima; e 4) o quarto critério, que somente se aplica quando nenhum partido ou federação do estado tiver atingido o quociente eleitoral, distribui todas as vagas entre os candidatos mais votados, independentemente de partido ou federação, sem qualquer outra exigência.
Apenas a título de exemplo, na eleição de 2018 no Distrito Federal, quando era permitida a coligação na eleição proporcional e as sobras eram distribuídas tendo como critério apenas o atingimento da maior média pelos partidos e 10% do quociente eleitoral pelos candidatos, foram eleitos oito deputados de oito partidos diferentes, com base no primeiro e no segundo critérios: PR (atual PL), PT, PRP, PRB (atual Republicanos), PV, DEM (atual União Brasil), PPS (atual Cidadania) e PP. Caso já estivessem em vigor as novas regras – e os partidos e candidatos tivessem tido a mesma votação – como nenhum dos partidos no Distrito Federal atingiu o quociente eleitoral, as vagas teriam sido distribuídas de acordo com o quarto critério, que as distribuiria, em ordem decrescente, entre os candidatos de maior votação individual, independentemente do desempenho do partido. Nessa hipótese, os partidos que teriam representação na Câmara dos Deputados seriam: o PR (atual PL), o PT, o PRP, o PRB (atual Republicanos), o PV, o DEM (atual União Brasil), o PPS (atual Cidadania) e o Podemos. Entretanto, se também já estivesse em vigor a federação de partidos – e os candidatos delas e dos demais partidos tivessem tido o mesmo desempenho eleitoral – a federação do PT/PV/PCdoB teria eleito cinco deputados, sendo três pelo PT, um pelo PVe um pelo PCdoB, e o PR (atual PL) teria eleito três deputados.
É claro que se não houvesse a possibilidade de coligação ou fosse permitida a figura da federação, os partidos adotariam outras estratégias e o resultado poderia ser diferente desse. Entretanto, o exemplo é importante para ilustrar a complexidade das novas regras, que irão excluir muitos partidos da representação parlamentar, exceto na hipótese de nenhum deles atingir o quociente eleitoral, quando as vagas seriam distribuídas entre os candidatos mais votados, independentemente do desempenho partidário ou da federação. Assim, o esforço dos partidos e federações deve ser no sentido de reunir nomes capazes de atingir pelo menos 80% do quociente eleitoral e ter candidatos com votação igual ou superior a 20% para participar do sistema de sobras e ter a chance de eleger representante na Câmara dos Deputados.
[1] O quociente eleitoral corresponde ao resultado da divisão do total de votos válidos pela quantidade de cadeiras que cada Estado possui na Câmara dos Deputados.
[2] O cálculo da maior média consiste na divisão do número de votos válidos atribuídos a cada partido ou federação pelo número de lugares por ele obtido mais um, cabendo ao partido ou federação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde preencha dois outros requisitos (respectivamente 80% e 20% do quociente). Repete-se a operação para cada um dos lugares a preencher até que não haja mais partido ou federação com candidatos com votação igual ou superior a 20% do quociente ou que não haja mais vagas a preencher.