Verdadeira novela, sem o talento dramático de Janete Clair ou Gilberto Braga, se instalou sobre a situação fiscal do país e o cumprimento ou não da meta fiscal pelo governo federal.
Como é de conhecimento geral, o novo arcabouço fiscal proposto pelo governo e aprovado pelo Congresso Nacional em 2023 prevê meta fiscal anual fixada na Lei de Diretrizes Orçamentária. Para 2024, o objetivo é zerar o déficit primário depois das finanças públicas federais ficarem no vermelho desde 2014. Mas as regras do jogo previram uma margem de tolerância de 0,25% do PIB. Ou seja, a meta é o alvo, mas até a o limite de 0,25% do PIB, o desvio é admitido.
Capítulo a capítulo, membros do governo, parlamentares, especialistas, jornalistas cravavam suas apostas se a meta de zerar o déficit seria alcançada. Afinal, o déficit consolidado do setor público foi quase de R$ 250 bilhões ou 2,29% do PIB em 2023. Os governos gastaram mais do que arrecadaram, agravando o endividamento público, ou seja, a conta que estamos deixando para nossos filhos e netos em troca de gastos presentes.
O equilíbrio das contas governamentais é fundamental para o futuro do país e repercute na vida de todos por suas interfaces com inflação, juros, emprego, renda, dívida, credibilidade, confiança. Portanto, é fundamental cumprir a meta. Meta é meta, tolerância é tolerância, diria o Conselheiro Acácio. Seria importante zerar o déficit primário. Na verdade, o objetivo final deve ser a estabilizar a relação entre dívida pública e PIB. A Instituição Fiscal Independente (IFI) estima que seria necessário um superávit primário anual de 1,4% do PIB para atingirmos esse patamar. Zerar o déficit é só um ponto intermediário da curva desejada.
Leia também
No primeiro semestre, as receitas do governo federal tiveram o significativo aumento de 9% acima da inflação. Mas as despesas cresceram mais, 10,5%. Ou seja, o desequilíbrio permanece apesar do pacote de novas receitas aprovado em 2023.
O decreto presidencial contingenciando e bloqueando despesas para tentar atingir a meta foi publicado na última quarta-feira. Foram provisoriamente cortados R$ 15 bilhões. A IFI projeta que para atingir a meta seriam necessários R$ 57 bilhões e para bater na trave da tolerância seriam necessários R$ 28,5 bilhões. É claro que fatores como inflação e PIB maiores, empoçamento orçamentário e eventos de receita não recorrentes podem ajudar o governo a cumprir a meta.
Mas o mais importante não é isso. Ficamos discutindo a árvore e não a floresta. Focamos um corte de R$ 15 bilhões num orçamento com uma receita líquida igual a R$ 2 trilhões, R$ 138 bilhões . Estamos discutindo menos de 1% dos recursos disponíveis, na verdade 0,7%. É como se um brasileiro que ganha R$ 10 mil por ano se descabelasse para cortar 70 reais de despesas. Isso traduz a drama e o grau de estrangulamento das finanças públicas. E quem vai para a guilhotina na hora dos cortes? Os investimentos. Não são gastos obrigatórios (infraestrutura, ciência e tecnologia, saneamento e moradia), mas definem o futuro de um país. O nosso orçamento é um dos mais engessados do mundo e o nível de investimento beira o ridículo.
Não é à toa que o Brasil tem revelado incapacidade crônica para garantir um desenvolvimento mais vigoroso e sustentado. Há que se cuidar da árvore. Mas é urgente repensar a floresta.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.