Lula prometeu ao Brasil e ao planeta, em discurso claro como o sol do meio-dia, durante a COP 27, no Egito, tolerância zero com o desmatamento ilegal em todos os biomas brasileiros nos próximos quatro anos.
Nas palavras dele: “Essa devastação ficará no passado. Os crimes ambientais, que cresceram de forma assustadora durante o governo que está chegando ao fim, serão agora combatidos sem trégua. Vamos fortalecer os órgãos de fiscalização e os sistemas de monitoramento, que foram desmantelados nos últimos quatro anos. Vamos punir com todo o rigor os responsáveis por qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida”. Grifos nossos.
O fato é que o Brasil pós-Bolsonaro e pandêmico é bem diferente do Brasil dos tempos áureos do Plano de Prevenção e Controle dos Desmatamentos (2003-2012).
Destaco alguns fatores:
– a pandemia chacoalhou a economia nacional e a tornou ainda mais dependente do setor primário (agro-minero-florestal), o que no arco do desmatamento na fronteira Amazônica sob alta pressão a ilegalidade é a regra;
– o crime organizado na Amazônia aumentou seu poderio, armado e político, com tentáculos na grilagem, garimpo clandestino, extração ilegal de madeira, pecuária especulativa, tráfico de armas, drogas e fauna e arregimenta populações carentes de políticas públicas. Os dados obtidos junto ao Exército, pelo Instituto Sou da Paz e Igarapé, indicam que aumentou em 700% a presença de armas, desde 2018, chegando a mais de um milhão de armas, somente nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima até julho desse ano;
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– o próximo Congresso Nacional é notoriamente mais “blocado” e à direita. Este novo governo será altamente dependente de alianças estratégicas e táticas com o “Centrão” e parte da Direita que em grande medida cresceu nas eleições de 2020 e representa o eleitorado local de cidades pequenas na Amazônia.
Além dos aspectos conjunturais ainda há os desafios tradicionais e estruturais que um governo de frente ampla terá que superar em face da distância “maratônica” entre o Direito, a Política e a Gestão socioambiental.
No plano do Direito temos a Constituição Federal clara e nítida reafirmando o Poder-Dever do Estado (em suas diferentes esferas) em aplicar sanções penais, administrativas e civis com vistas a coibir e inibir crimes ambientais e restaurar os danos cometidos contra nossas florestas. Temos a Lei de Crimes e Infrações Ambientais consolidada e um Código Florestal em permanente ameaça e ainda por se fazer valer na prática.
No plano da Política temos um consolidado Laisse Faire, ou o “vale-tudo”, contra nossos biomas. As taxas de desmatamento dos últimos quatro anos, os dados de garimpos clandestinos na Amazônia e de ouro lavado extraídos são grotescos, a queda livre verificada de investimentos e de operações de fiscalização, o assédio moral sobre cargos estratégicos no INPE, até Polícia Federal, Ibama e ICMBio são mais que indícios, provas do vale-tudo. Portanto instituições estratégicas precisam ser reerguidas e atualizadas. Ao mesmo tempo em que a representação parlamentar federal amazônica perdeu “vocalistas verdes” chave, dentre eles: Perpetua Almeida, Camilo Capiberibe e Joênia Wapixana. O índice de eleição de parlamentares federais de partidos tradicionalmente antiambientais na Amazônia foi sensivelmente maior do que os considerados verdes na região.
No plano da Gestão temos servidores altamente competentes querendo fazer mais e melhor, porém totalmente de mãos atadas em função de restrições políticas e consequentemente orçamentárias em órgãos em processo de sucateamento.
E é nesse plano da Gestão, lastreada pela Política e pelo Direito que se concentra uma parte importante do “ponto de mutação” ou da grande Virada para o Desmatamento Zero.
Muito há o que se fazer para reconstruir a política e nesse sentido louvamos as medidas propostas pelo Observatório do Clima no documento Brasil 2045 – Construindo uma Potência Ambiental e o documento do Instituto Talanoa (Re)construção: 401 atos do Poder Executivo Federal (2019-2022) a serem revogados ou revisados.
Especialmente em relação aos desmatamentos ilegais na Amazônia e em todos os Biomas Brasileiros uma primeira medida estruturante e estratégica para contenção imediata da escalada nas taxas pode ser adotada já a partir do 1º dia do novo governo.
EMBARGO REMOTO, AUTOMÁTICO EM ESCALA DO USO DAS ÁREAS DESMATADAS ILEGALMENTE E SUSPENSÃO DO ACESSO A CRÉDITO E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Uma primeira medida absolutamente crucial para iniciarmos o alcance da meta de Desmatamento Zero até 2030 é a adoção da fiscalização e aplicação de sanções e medidas administrativas cautelares remotas, automáticas e em escala nacional para bloquear a consumação e a expectativa de ganho econômico privado proveniente das infrações por desmatamento ilegal, em todos os Biomas brasileiros.
Algo muito similar a isso já ocorre, há mais de duas décadas, no sistema de monitoramento, controle e responsabilização por infrações de trânsito, por meio eletrônico, remoto, automático e em escala nacional.
O Brasil possui o mais amplo cadastro ambiental de imóveis rurais georreferenciados do Planeta, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), gerido pelo Serviço Florestal Brasileiro, órgão vinculado ao Ministério de Agricultura.
O Brasil possui o melhor e mais abrangente e sofisticado programa e sistema de monitoramento de desmatamento no Planeta, inclusive em tempo real (PRODES e DETER geridos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia).
As bases de tecnologia de informação para uma ação pública, potente e precisa em escala nacional estão consolidadas, há anos.
O RAD 2021 Relatório Anual do Desmatamento no Brasil do Programa MapBiomas publicado em julho deste ano comprova que “Os alertas de desmatamento que cruzam com imóveis rurais cadastrados no CAR correspondem a 77% da área total desmatada. Isso significa que em pelo menos 3/4 dos desmatamentos é possível encontrar um responsável. Foram 59.181 imóveis com desmatamento detectado no país em 2021, que representam 0,9% dos imóveis rurais cadastrados no CAR até 2021. São reincidentes por terem desmatamento registrado em 2019 e/ou 2020 19.953 imóveis registrados no CAR. Quando considerado o período de 2019 a 2021 o número de imóveis com pelo menos um evento de desmatamento detectado sobe para 134.318, o que representa 2,1% dos imóveis rurais brasileiros.
A Comissão de Meio Ambiente do Senado conduziu e aprovou, neste ano de 2022, por provocação do Instituto Democracia e Sustentabilidade, estudo oficial aprofundado sobre os impactos da atual (des)Política de Regularização Fundiária na Amazônia que referendou o diagnóstico do MapBiomas. Leiam o relatório lançado na COP 27 pelo Senador Fabiano Contarato intitulado REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E IMPACTOS AMBIENTAIS GERADOS PELA OCUPAÇÃO ILEGAL DE ÁREAS PÚBLICAS NA AMAZÔNIA LEGAL BRASILEIRA. Uma das principais recomendações da Comissão de Meio Ambiente do Senado, constante na página 92 do referido relatório, foi:
- “Órgãos ambientais federal e estaduais devem, nos termos da legislação vigente (Código Florestal e Lei de Crimes Ambientais) implementar o embargo administrativo remoto, automático e obrigatório do uso das áreas ilegalmente desmatadas e aplicar multa, remotamente (correio eletrônico, dentro do próprio sistema de registro do CAR, ou outro meio virtual ou não presencial, como edital público no caso de desmatamento em imóveis fora do CAR.”
O Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), em parceria com MapBiomas, Instituto Centro de Vida e Brazil.io, mediante consulta ao longo de todo esse ano de 2022 no âmbito do Grupo de Trabalho Embargos que contou com a participação dezenas de técnicos representantes de 27 órgãos estaduais de meio ambiente no Brasil produziu e lançou, neste dia 22 de novembro de 2022, o Guia de Boas Práticas para implementação do embargo remoto de áreas desmatadas no Brasil.
De acordo com o Guia, o sistema jurídico-legal vigente é suficiente, com adaptações simples em instrução normativa para uma ação em escala nacional e pode ser adotado tanto por estados, quanto pelo poder público federal. O Guia oferece um passo-a-passo didático para a aplicação dessa medida em diferentes circunstâncias, dentro e fora do CAR, e exemplos em prática em alguns estados.
O embargo oficial remoto, automático e em escala sobre áreas desmatadas ilegalmente deve colocar um freio de arrumação no acesso a crédito (público e privado), na regularização fundiária de áreas em processo de grilagem e até mesmo no comércio de produtos agropecuários oriundos de áreas desmatadas ilegalmente (dentro do CAR) para cadeias nacionais e internacionais rastreadas por compradores e consumidores mais criteriosos.
Eis pois uma excelente primeira prova real de efetiva “vontade política” deste novo governo Lula para o desmatamento zero no Brasil até 2030.
Para tanto contem com a colaboração ativa do IDS, do MapBiomas e parceiros.