por Bezinha Soares* e Carolina Plothow**
Somos cerca de 52% da população, e apesar disso, as mulheres são apenas 17% dos integrantes da Câmara dos Deputados, sendo o Brasil o país com a maior desigualdade de gênero na representação política na América do Sul. No que diz respeito às eleições municipais, que muito nos interessam, os dados do TSE mostram que, em 2020, foram eleitas 651 prefeitas (12,1%), contra 4.750 prefeitos (87,9%). Já para as câmaras municipais, foram 9.196 vereadoras eleitas (16%), contra 48.265 vereadores (84%). Muito longe de uma real representatividade.
Ainda sobre dados que apresentam a falta de mulheres nos poderes da República, apesar de somarem cerca da metade do 1,2 milhão de inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil; de representarem cerca de 39% dos membros dos Ministérios Públicos Estaduais; de serem 51,9% dos membros da Defensoria Pública pelo país; e dos dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apontarem que as magistradas são 38% do quadro total em atividade, ainda assim temos apenas uma mulher no Supremo Tribunal Federal. E nunca tivemos uma mulher negra. Ou indígena.
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Seguindo em nossas análises, vemos que, apesar de sermos 46,2% de filiadas a partidos políticos, somente 18,2% do total de candidaturas eleitas são femininas. Essa lógica não se sustenta. Somos combustível no funcionamento das estruturas partidárias, mão de obra qualificada, executiva e resolutiva de cada um dos partidos e ainda assim perdemos quando se trata do objetivo final que é ser eleita. Por que será?
Para nós, mulheres que vivenciamos a política diariamente, esses dados são lamentáveis, sim, porém nada surpreendentes. Não é apenas sobre representatividade, competência e preparo! Estudos já comprovaram que países onde mais mulheres estão no governo têm menos corrupção. A pesquisa, recentemente lançada pelo Instituto Ipsos, aponta que 29% dos brasileiros acreditam que as políticas mulheres são mais honestas que os homens (somente 4% afirmam o contrário) e 36% consideram que lideranças políticas femininas são melhores que as masculinas para lidar com mulheres de forma justa. Esses são os sinais do grande “déficit democrático” que vivemos no Brasil. Precisamos “democratizar a Democracia” e isso significa trazer mais, muitas mais, mulheres para a disputa e a ocupação dos espaços de poder da política.
Além dos dados, queremos ampliar o espectro, compartilhar nossos olhares e, quem sabe assim, trazer mais mulheres para a arena. Queremos compartilhar a perspectiva de duas mulheres que vivenciam a política dentro e fora dos bastidores; duas mulheres que vivenciam a política a partir de visões geracionais diferentes. Uma de 24 e outra de 53 anos.
PublicidadeEm 2024, nós duas temos dois grandes desafios comuns: engajar mulheres a se tornarem candidatas para concorrer às eleições municipais e contribuir para suas vitórias: Até aqui percebemos que, as mais jovens, como eu, Carol, têm dificuldade de se verem futuras líderes, porque ainda há poucas mulheres em quem se espelhar. Quem as culpa quando temos um Congresso Nacional como um espelho distorcido e deturpado da sociedade brasileira? Sem contar a quantidade de vezes que somos vistas como incapazes. “Quem essa menina pensa que é?”. Lembro de uma vez que frequentava uma reunião em um gabinete de deputado e a sua equipe era inteira de homens brancos, bem mais velhos que eu. Assim que cheguei para a reunião, sozinha, respirei fundo antes de entrar e trouxe a pauta em questão. Lembro da zombaria, do metralhar de perguntas e dos questionamentos: “Quantos anos você tem? Tem idade para ser minha filha!”. E apesar disso, segui firme.
Já as mulheres mais maduras, como eu, Bezinha, se deparam com a síndrome da impostora (não que as mais jovens não sintam isso, mas a barreira a ser derrubada nas gerações mais velhas é bem mais resistente): “Será que realmente ainda caibo dentro deste espaço? Será que a política é para mim? Vou concorrer e ter chances de ganhar de homens que estão aí há tanto tempo? O que vão pensar de mim, meus amigos e minha família?” Muitas dessas mulheres, da minha geração dos anos 70, não se sentem dignas desse espaço, têm medo da arena política e pensam: “estou velha demais para isso, para que vou procurar mais um problema nessa altura da minha vida?”
Apesar das diferentes perspectivas e do que impede cada um desses grupos de mulheres de estarmos na vida política, o que temos em comum é o enfrentamento do machismo estrutural e a percepção da violência, de suas sutilezas que nos afastam cada dia mais desse tão disputado espaço de poder o qual é a política. Às vezes é um riso, às vezes é a condescendência e muitas vezes é a decisão tomada à nossa revelia, sem nos inserir no debate para a tomada de decisão; em outras, a violência nos atinge das mais variadas formas, até fisicamente, colocando em risco nossa segurança.
Nestas alturas da nossa tão jovem Democracia (a Constituição Federal foi promulgada há 35 anos e contando…) e dos tão festejados 92 anos do voto feminino no país, nos deparamos com um obstáculo já velho conhecido, porém apenas recentemente nomeado e tipificado: a violência política de gênero (VPG).
Do ponto de vista coletivo, tivemos avanços importantíssimos na legislação, com a aprovação da tipificação da VPG em crime pela Lei 14.192/2021. Pouco conhecida, a legislação ainda falha em sua implementação e a falta de coleta de dados sobre esse tipo de violência, torna escassa a possibilidade de entendimento do fenômeno e por conseguinte da sua prevenção, mas isso é papo para outro artigo.
No dia a dia, percebemos a violência nas dificuldades em espaços de fala nos partidos, a falta de incentivo político, a disputa por oportunidades e uma ideia de representatividade que vem, muitas vezes, distorcida por aqueles que sentam nas mesas de negociação. Sabemos que as estruturas partidárias, independente de ideologia, enfrentam os mesmos desafios sociais e estruturais – o machismo, o racismo, o capacitismo. Mas falar sobre isso também é
necessário em uma perspectiva de enfrentamento e proteção para nossas futuras candidatas. Isso porque não somos desesperançosas da política. Acreditamos, sim, que ela é um espaço de mudanças estruturais, de mudanças efetivas que se refletem na vida das pessoas.
A política é um jogo de sonhos em que o tabuleiro é o espaço de disputa. A questão é que, atualmente, nos faltam as peças para jogar. As eleições de 2024 estão aí e trabalharemos para virar as mesas de poder.
* Bezinha Soares, 53 anos, é Coordenadora Executiva do Elo Mulheres da Rede Sustentabilidade, mestra em Direitos Humanos pela USP e já foi candidata a deputada federal. Trabalha com consultoria na área de Políticas Públicas e Gestão Governamental. Casada há 26 anos com Camilo e mãe da Ana, uma jovem mulher de 21 anos. Embaixadora Vote Nelas. Liderança Raps e aluna do Renova BR.
** Carolina Plothow, 24 anos, é Coordenadora de Formação do Elo Mulheres da Rede Sustentabilidade, Advogada pela PUC-SP, com extensão em Masculinidades e Violência. Embaixadora do Vote Nelas, atuou em diversos casos de violência política de gênero. Atualmente trabalha com Advocacy para organizações sociais.
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