Não, não vou me arvorar em explicar as complexidades do conflito entre Rússia, Ucrânia e a mentalidade do Partido Democrata americano que nunca deixou os anos 60.
Não sou um especialista em relações internacionais, geopolítica e tampouco em guerras e questões militares, mas acho que posso contribuir para o debate sob a ótica do jornalismo.
Infelizmente, boa parte da imprensa brasileira decidiu tratar o conflito como algo próximo de um filme da Marvel com vilões bem definidos e heróis de índole inabalável. Se é preguiça, má fé ou qualquer outra coisa, jamais saberemos, mas não é de hoje que algumas redações buscam infantilizar seus leitores.
É mais uma vez a praga da despolitização (ou antipolítica) corroendo o bom debate, a troca de ideias e o diálogo.
E por isso tentativas de explicar o debate estão sofrendo acusações de que serem propagandas pró-Putin e justificativas para a injusta e criminosa invasão Russa na Ucrânia. Explicar não é o mesmo que justificar!
Nesse meio há quem tenha até mesmo coragem de negar ou justificar os injustificáveis ataques nucleares que os EUA fizeram no Japão.
Em resumo
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PublicidadePara entenderem a dimensão das coisas, vamos para um resumo da situação.
A justificativa de que Putin quer desnazificar a Ucrânia é tão sincera quando a alegação dos EUA de que queriam levar democracia para o Afeganistão e Iraque. Esse é o mesmo Putin que faz um governo hostil contra a população LGBTQIA+, se aconselha com Alexandr Dugin, teórico da quarta teoria política (um tipo de fascismo tímido) e que recorre à mercenários neonazistas do Grupo Wagner (em homenagem ao músico preferido de Hitler: Richard Wagner), mantidos pelo oligarca Yevgeny Prigozhin, amigão do Putin.
Ao mesmo tempo é fato notório que desde 2014 a Ucrânia virou território livre para o neonazismo, chegando até mesmo a montar operações de recrutamento de brasileiros para suas tropas. Não faltam relatos (massacre de Odessa) e até mesmo agora durante o conflito, latinos, africanos e indianos dizem ser alvos de racismo ao tentarem deixar o país.
E ainda temos os americanos e a OTAN que já invadiram e bombardearam um terço da população mundial, desestabilizaram governos e presentearam o mundo com a Al-Qaeda e depois com o Estado Islâmico.
Além disso, nenhum país foi tão castigado pela antipolítica quanto a Ucrânia que primeiro elegeu o milionário Petro Poroshenko contra “tudo isso que está aí” (te lembra alguém?) e que foi responsável por integrar milicias neonazistas nas forças de segurança do país e seu entorno.
Depois decidiu eleger um humorista que decidiu não tratar a questão com a Rússia com a devida diligência, crente de que seria socorrido pela Otan, Europa ou EUA. Justifica a agressão e invasão russa? Jamais! Aliás, este não seria o primeiro crime cometido pelo presidente russo.
Na geopolítica não existem heróis
Nesse conflito não existem heróis ou vilões como nos filmes e histórias em quadrinhos, apenas vítimas, em sua grande maioria mulheres, crianças e milhões de trabalhadores que tentam desesperadamente fugir do conflito. Milhões de pessoas que precisaram abandonar suas casas para fugir de bombardeiros e tiros.
Não é de hoje que os Democratas tentam cavar um conflito com a Rússia no mundo pós-guerra fria, as hostilidades e provocações dos americanos se acentuaram nos governos Obama e de maneira perversa colocaram a Ucrânia e sua população no meio de seus desejos sanguinários.
Essa crise vem sendo gestada nos últimos 8 anos e a infantilização dos leitores não só ignora isso como também ataca quem tenta elevar a maturidade do debate. Além de colocar a política e a diplomacia de lado.
Se ao mesmo tempo há o justo e correto repúdio contra a invasão dos russos, há também um certo furor de alguns jornalistas pelo envio de armas e até mesmo intensificação dos conflitos para erradicar uma Rússia, que segundo essas pessoas, seria o atual mal absoluto no planeta terra.
A Ucrânia tem o direito de entrar na Otan, na União Europeia ou qualquer outro grupo? Sim! Mas já está claro que Biden e a Otan conduziram a situação de forma completamente desleixada e deixaram o ônus da situação para os ucranianos, assim como já fizeram em outros países.
Hoje é a Ucrânia, mas já foi Iraque, Afeganistão, Síria, primavera árabe, crise dos misseis em Cuba e amanhã será outro lugar. Por qual motivo os EUA não foram punidos pelos seus crimes da mesma forma que a Rússia está sendo corretamente punida?
E é isso que a abordagem infantil impede que muitas pessoas entendam. Essa visão de quem alguns países podem cometer crimes e outros não, irá continuar mergulhando regiões do mundo – quando não o mundo inteiro – em periódicas instabilidades. Como se só a narrativa ocidental contasse e todo o resto fosse o mal a ser combatido.
Acha que estamos indo para um bom caminho? E o que dizer o atual presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que não só está estimulando a entrada de civis no confronto, como ainda decidiu libertar criminosos que tenham treinamento militar. Dado o contexto histórico e social do país, quem teria treinamento militar e estaria preso por lá?
Vejam só como essa suposta luta do bem contra o mal vai normalizando absurdos que há alguns anos seriam escandalosos.
Atenção, Brasil!
É o mesmo jornalismo infantilóide que há 20 anos atrás tentou fomentar uma guerra injustificável entre o Brasil e a Venezuela em pleno governo Lula, onde toda semana havia alguma reportagem comparando as forças militares dos dois países e fomentando todo o tipo de falsas controvérsias.
O mesmo maniqueísmo que empurrou o Brasil para essa situação lastimável, o vale-tudo contra a política e contra tudo isso que está aí e que elegeu um Congresso pavoroso e degradou de forma brutal o debate político.
E se de um lado há quem ache que os EUA querem levar a liberdade, há quem enxergue a Rússia como capital do movimento anti-imperialista, mesmo que esteja focada em sua própria campanha imperialista no leste europeu e África. Há alguns ainda mais malucos que creem que Putin é a face de uma “nova união soviética”.
E para fechar, entre os poucos e escassos acertos do governo está a posição atual do Itamaraty de independência entre Washington e Moscou e priorizando a manutenção da paz sem acirramento de conflitos.
O discurso do embaixador do brasil na ONU, Ronaldo Costa Filho, foi uma posição correta e a qual muitas redações deveriam se inspirar para estruturarem as suas linhas editoriais na cobertura do conflito. Colocou-se contra o conflito, principalmente contra a injusta invasão da Rússia e defendeu os interesses do Brasil.
Agora, me parece que tem canal de notícias, principalmente na tv paga, que estranhamente deve ter conseguido um acento no conselho da OTAN.
Não ficaria surpreso, com o festival de convites que a Otan anda fazendo, será que até mesmo veículos de imprensa estariam sendo convidados?
Para terminar, repito o que foi dito pelo jornalista Reinaldo Azevedo, a quem dedico esta coluna:
“O jornalismo para maiores de 12 (anos de idade) (…) anda raro”.