Mais do que a morte, a vida da rainha Elizabeth ilustra a importância da liturgia do cargo. E o quanto temos a aprender da História.
Quanto à rainha, dispensa apresentações e comentários. Quanto à liturgia do cargo, temos exemplos recentes em nossa História, especialmente nas últimas décadas, que ilustram tudo que um governante não deve fazer. Só no estado do Rio de Janeiro quatro dos cinco ex-governadores mais recentes estão sub judice. E no plano federal nossos presidentes nem sempre se comportam como o primeiro magistrado que deveriam ser.
Mais uma vez sobra para a escola – pobre escola – tentar ensinar e convencer as crianças e jovens de que a res publica (coisa pública, de onde vem o nome “república”) é algo que deve ser cultivado, e que os governantes são pessoas que devem ser respeitadas em função do cargo que ocupam. E que os ideais republicanos não são abstrações, mas que se refletem nas ações concretas das pessoas que ocupam cargos por delegação da sociedade. Ensinar pode até ser fácil, mas convencer, diante de tantos maus exemplos, fica cada vez mais difícil.
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Examinando livros de História utilizados no país – e examinando as propostas de currículos apresentadas, por exemplo, na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) – fica ainda mais difícil imaginar que a escola terá condições de cumprir sua missão nessa área. Essas propostas contêm fortes vieses ideológicos e epistemológicos. Os vieses epistemológicos se referem às concepções propostas a respeito do entendimento da História e do ensino da História – concepções essas que permeiam tanto a área acadêmica e, consequentemente, se infiltram nos que estabelecem os critérios para aprovar os livros didáticos. Este é um nó difícil de ser desatado. Já os critérios ideológicos são os mesmos e comuns à educação em geral – e que são compartilhados – com conhecimento de causa, orgulho ou ingenuidade – pela maioria dos educadores brasileiros.
Reis, rainhas e impérios parecem coisas do passado – assim como carruagens, desfiles de costumes e cenas de coroação. A ideia de império dificilmente se descola da história do imperialismo. Mas a passagem da rainha Elizabeth – após uma das mais longevas permanências no cargo – pode nos servir como uma eloquente lição de História. Os grandes homens (perdão) não precisam ser heróis e os heróis não precisam ser perfeitos. Basta que sejam grandes e cumpram o seu dever. E o cumpram respeitando a liturgia do cargo.
Poucos são ou foram os que estiveram à altura do cargo. E são menos ainda os que tornaram o cargo ainda mais nobre. Nossos antepassados – heróis ou não – tiveram virtudes e vícios. Nós também os temos. Que sirva de exemplo para repensarmos a nossa história e como ensiná-la às novas gerações. E que nos dê a humildade de aceitar que também as nossas gerações não são donas da verdade absoluta e de critérios permanentes e universais para julgar as pessoas. Especialmente aquelas que, como nós, ou melhor do que nós – julgaram estar a serviço de sua pátria.
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