Zyon, a terra prometida, onde a única promessa que até agora se cumpriu é um Armagedom a prestações, onde o sangue de fiéis, ímpios, infiéis, apóstatas, devotos, ortodoxos, mas, sobretudo, inocentes, irriga as áridas terras tidas como santas.
Custa crer que Deus, em suas diferentes facetas, Javé, Cristo, Allah, abençoe massacre após massacre, sofrimentos indizíveis, humilhações seculares.
As três religiões monoteístas já estiveram em conflito, ao longo dos séculos, hoje, o confronto é entre o islã e o judaísmo, como pano de fundo. Contudo, os fatores seculares são os que marcam a pauta.
Nossa pretensão é desvendar algumas linhas mestres e procurar uma saída. Hoje, outubro de 2023, a realidade é a guerra entre Israel e o Hamas. Respondendo a um ataque terrorista em larga escala do Hamas em seu próprio território, Israel está promovendo uma retaliação estilo Velho Testamento, aplicando a lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”.
Todavia, o atual governo israelense esquece, por oportunismo político, a recomendada proporcionalidade da lei de Talião, anunciada por Moisés. E isto por quê?
O gabinete de Benjamin Netanyahu está formado por radicais, extremistas e supremacistas sionistas que são minoria no democrático Israel, mas que uma lei eleitoral lhes permite formar governo. Netanyahu não era extremista, mas líder da direita, ameaçado de ir para a cadeia por corrupção, conseguiu voltar ao poder se aliando com o mais retrógrado da política israelense.
PublicidadeJulgo que o atual governo de Israel, agora ornamentado com um “gabinete de guerra”, é um bando de zumbis, de galinhas sem cabeça, liquidados politicamente. Só não foram enterrados porque no meio de uma guerra não se troca a liderança.
O conflito vai durar? Sabendo que está com a cabeça a prêmio pelo fracasso da segurança o governo vai tentar prolongar ao máximo as hostilidades, qual ídolo arcaico, precisa de sacrifícios de sangue, de matar muitos palestinos para que o balanço final mostre um “X” de mortos em Gaza para cada israelense assassinado.
Eretz Israel nunca esteve em mãos tão ineptas desde a sua (re?)criação em 1948. Onde estão os Ben Gurion, Golda Meir, Yitzhak Rabin? Em um momento crucial, temos um coletivo de aloprados, agindo como adolescentes, seguindo fielmente o roteiro que lhes foi imposto pelo Hamas. Quando se faz o que o inimigo espera o resultado jamais é positivo. Fora as declarações simplórias como “vamos reduzir Gaza a uma ilha deserta?”, “Hamas será varrido da face da terra”, e por aí vai.
Ocorre que Gaza não é uma ilha, é um gueto. Impossível “exterminar” um grupo terrorista se a causa de sua existência não for resolvida. Outro grupo surgirá no seu lugar, ainda mais radical e sanguinário, como a história prova.
Agora temos de aguardar os desdobramentos das operações bélicas em andamento. Quando a situação atingir um ponto de relativa estabilidade e milhares de palestinos estiverem mortos, chegará a hora de prestar contas. Netanyahu provavelmente acabará na cadeia por larápio, pois não há pena para incompetência.
Novas eleições, novo governo em Israel. E então? Está provado que manter o status quo pela força não tem futuro. Israel ganhou todas as guerras mas perdeu a paz. Tem de fazer uma catarse, uma psicanálise coletiva freudiana, para encontrar o caminho da convivência. Paz é uma consequência de uma longa convivência pacífica, estimo. Estamos longe disso.
Entendo que não existe um único caminho, uma solução mágica, mas o apelo é para o vencedor, o dominante, ser generoso mesmo tendo sofrido tantas perdas humanas. A psicanálise explica por que o discriminado se torna discriminador. Durante dois milênios o povo judeu foi perseguido e humilhado. Agora, Israel, poderoso, replica a discriminação ao encontro dos palestinos. Trata-os como seres humanos de segunda classe, tranca-os em guetos, como Gaza. Submete-os a vexações diárias na Cisjordânia.
Isso não tem futuro. Atingir um convívio pacífico é tarefa de gerações. A faixa de Gaza não pode continuar sendo um gueto, tem de ter conexão com a Cisjordânia. Esta tem de se transformar em um estado palestino viável. As colônias israelenses na Cisjordânia ou devem ser abandonadas ou Israel tem de pagar indenização pelas terras ocupadas e pagar também, anualmente, pela permanência delas. O dinheiro deve fluir em quantidades expressivas para a Palestina, a diferença de renda é de 20 vezes a favor de Israel. Muitos bilhões de dólares, dirão alguns. Comparado com o custo de guerras e ocupação militar, para não mencionar o custo em vidas humanas, é um investimento válido. Claro, os palestinos devem fazer a sua parte e ceder em muitos aspectos, desistir do terrorismo, abandonar crenças e esperanças vãs, como destruir Israel, aceitar Jerusalém como capital de Israel, olhar para um futuro de prosperidade que ora lhes é negado. Negação que é a semente de todos os extremismos.
Falta combinar também com os atores externos. O Irã, incentivador do extremismo islâmico xiita e que considera válida toda forma de prejudicar Israel e que, por sua vez, sofre atentados terroristas no seu território, com “assassinatos seletivos” promovidos pelo Mossad e atos de sabotagem no seu programa nuclear “pacífico”. Agora, estranho é constatar que o Irã xiita financie um grupo sunita, como o Hamas, xiitas e sunitas são rivais acérrimos. Que o libanês Hezbollah, xiita, receba mundos e fundos de Teerã, natural.
Temos outro ator, dúbio este, o “Reino” como gosta de ser chamado, a Arábia Saudita, berço do extremismo sunita (o wahabismo) que deu origem a Al Qaeda, Estado Islâmico e outros. Recebe quase que uma blindagem dos meios de comunicação ocidentais. Talvez nunca saibamos se o “Reino” enviou fundos para o Hamas, mas fica a dúvida.
A Rússia é outro ator de peso. Aliada dos países árabes desde a guerra fria, mantém importante presença na Síria onde sustenta a cambaleante ditadura de Bashar al Assad em troca de bases militares. Máxime agora, atolada na guerra da Ucrânia, é beneficiada pela mudança de foco da atenção internacional para o Oriente Médio.
A Turquia liderada por Erdogan já foi dona e senhora de toda a região até 1918, na época era o império Otomano, que dominou também parte da Europa. Aliada e rival de Israel conforme as circunstâncias, é um ator imprescindível na busca de soluções para a região.
A União Europeia, entidade amorfa, oscilando entre a defesa dos direitos humanos dos palestinos e a consciência pesada por ter colaborado ativamente no holocausto. O papel que lhe caberia seria de apoio financeiro, tecnológico e comercial.
Por fim, os Estados Unidos, aliado incondicional de Israel que faz deste uma espécie de “menino mimado” ao qual se toleram muitas transgressões. Evidente que sem uma ativa participação dos EUA não há paz possível. Cumpre reconhecer que os americanos tentaram e tentaram fechar acordos para a paz. O fracasso talvez se deva à falta de convidar mais atores à mesa de negociações.
Agora, só nos resta esperar e assistir à dor de israelenses e palestinos tentando paliar o sofrimento deles. Até que as armas se calem, nada de esperança.
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