A capacidade do Brasil e de outros países com grandes áreas verdes de proteger ou não os seus biomas é um dos elementos de preocupação dos países membros da União Europeia ao estabelecer parcerias comerciais. Buscando pressionar parceiros a fortalecer suas políticas de proteção ambiental, o Parlamento Europeu vota na terça-feira (13) a Lei de importação de commodities de risco florestal (Ferc, sigla do título em inglês), que sanciona países que exportam matérias primas de zonas desflorestadas. Lideranças indígenas, porém, temem que o projeto coloque a segurança de diversas aldeias em risco. O projeto, porém, tem provocado discussão. Entre ambientalistas, há quem o defenda e outros que se preocupam com ele.
De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que acompanha de perto o trâmite do projeto, o grande perigo está no critério adotado pelo Parlamento Europeu para definir quais biomas devem ser protegidos. O texto classifica como floresta apenas regiões com árvores de mais de cinco metros de altura, critério que atende de forma ampla apenas a Amazônia e a Mata Atlântica. Cerrado, Caatinga, Pampas e Pantanal são em grande parte deixados de lado, com apenas pequenas regiões de cada bioma protegidas.
Leia também
Sem a abrangência necessária
Para Crisanto Rudzö Tseremey’wá, líder da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), as regiões protegidas no projeto não trazem a abrangência necessária para o tamanho do problema no Brasil. “Nossas terras estão sendo invadidas seja pelo agronegócio seja pela atividade garimpeira. Não é só na Amazônia, também em vários outros biomas do nosso país que estão sendo afetados pela produção de commodities em larga escala que vai principalmente para a Europa, China e Estados Unidos”, relata.
Existe ainda, tanto por parte da Coiab quanto da Apib e de demais movimentos que articulam em Bruxelas pela reforma no texto, o temor de um deslocamento nas invasões: grupos ligados ao garimpo e à grilagem podem sair da Amazônia e invadir reservas naturais e indígenas de outros biomas, onde também existem etnias que sofrem das mesmas dificuldades do bioma amazônico. “Outros biomas do nosso Brasil ficam desprotegidos por essa lei, o que abre as porteiras para que elas sejam cada vez mais exterminadas”, alerta Eunice Kerexu, coordenadora executiva da Apib.
Proteção das terras indígenas
Outro coordenador da Apib, Dinamam Tuxá, acrescenta que falta no projeto um mecanismo que reconheça a proteção às terras indígenas, outro elemento de peso na garantia da preservação dos ecossistemas brasileiros. “O avanço do agronegócio e do desmatamento na sua ampla maioria aqui no Brasil se dá dentro das Terras Indígenas ou das Unidades de Conservação, porque são áreas produtivas e bem preservadas”, explica.
Kretã Kaingang, também da Apib, acrescenta que o rastreamento de produtos dos demais biomas também implica no atendimento dos próprios interesses do mercado europeu. “A partir da inclusão de todos os biomas nessa legislação a gente tem uma força a mais para poder defender esses biomas. A gente já faz isso sem lei, mas a gente sabe que na Europa se compram produtos de todos esses biomas, não só da Amazônia, e a proteção deles influencia nas nossas vidas no dia a dia”, afirma a coordenadora.
Benefício ambiental
Já outra brasileira que também acompanha na Europa o desenvolvimento da Ferc, a ativista ambiental Cristina Saraiva, defende o projeto. Ela, inclusive, já coordenou uma visita da bancada ambientalista europeia ao Brasil. De acordo com ela, o projeto é positivo. Apesar de não solucionar todos os problemas ambientais que afetam indígenas no Brasil, a Ferc apresenta um passo importante no combate ao desmatamento, e abre caminho para futuros projetos que venham a atender os demais biomas brasileiros.
“Me surpreende muito a crítica da Apib, porque é um projeto extremamente cuidadoso e protetivo em relação aos direitos das comunidades indígenas. Reiteradas vezes o texto fala da questão da proteção às comunidades indígenas”, afirma a ativista. Além disso, ela conta que o texto não se restringe a biomas específicos, e que a Amazônia é justamente o principal escopo do projeto, por ser o principal bioma do imaginário europeu ao falar da questão ambiental no Brasil. “Ainda que se restringisse à Amazônia, não seria caso de crítica e, sim,de elogios. Seria como criticar a lei da Mata Atlântica porque ela só protege a própria Mata Atlântica”, acrescenta.
Os principais objetivos do projeto, ao tratar do comércio brasileiro, são de restringir a importação de carne e madeira exótica produzidos em áreas desmatadas, dois produtos de fácil rastreabilidade e com largas produções clandestinas no Brasil, atingindo reservas indígenas em todo o país, mas com maior impacto na Amazônia. “Se o projeto eventualmente deixar de proteger os indígenas de determinada região que não é coberta, ao menos vai favorecer todas as outras. 84% da Amazônia e 71% da Mata Atlântica já é um resultado surpreendente, (…) isso em nada tira o mérito”.
A ativista também relembra que a principal autoridade competente encarregada de garantir a proteção dos povos indígenas é o governo brasileiro, ficando este encarregado de reforçar a segurança nos demais biomas. “A lei tem suas falhas. Ela não fala, por exemplo, do ouro, uma das questões que mais afetam as comunidades indígenas. (…) Mas ela já cobre uma importante maioria das aldeias indígenas, e com ou sem ela, cabe ao Brasil proteger esses povos”, ressalta.