Renato Battista e Orlando Lima *
As projeções dos institutos de pesquisas aventavam a possibilidade de o Partido Republicano conseguir formar a maior bancada na Câmara desde a década de 20. Quem melhor conseguiu resumir a frustração das eleições foi Ben Shapiro, que em seu Twitter escreveu “da onda vermelha ao Casamento Vermelho”, em referência a um dos momentos mais icônicos da série Game of Thrones (HBO). Mas o que fez com que os Republicanos saíssem da maior vitória eleitoral em 100 anos para um “absoluto desastre”, como definiu Marc Thiessen?
O partido fraturado
O jornalista americano Joshua Green conseguiu sintetizar, em um raro momento de originalidade no mercado editorial, o espírito de Donald J. Trump quando escreveu, em seu livro Devil’s Bargain: Steve Bannon, Donald Trump, And The Storming Of The Presidency, que “ninguém constrói muros como Trump”. O óbvio trocadilho referenciando a promessa de muro separando os EUA do México é também uma leitura perspicaz de como o homem laranja tem uma capacidade sem igual de erguer obstáculos e isolar seu grupo. Este sectarismo levou ao partido uma fratura que tende somente a profundar-se.
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O “Lincoln Project”, que se diz uma iniciativa “dedicada a proteger a democracia americana”, pode também ser posto como uma organização de Republicanos anti-Trump. Em 2020, por exemplo, declararam — e pediram — voto em Joe Biden para a presidência americana. Agora, durante as eleições de meio de mandato (as chamadas midterms), voltaram os canhões novamente ao trumpismo. Anunciaram o documentário “Country over party”, onde a tese trabalhada é que Republicanos optaram por votar em Joe Biden para seguir uma agenda de normalidade democrática, ao passo que o Partido Republicano fora sequestrado por “nacionalistas, extremistas e grupos terroristas domésticos violentos”.
Contudo, os muros continuam a ser levantados, inclusive com ex-aliados, como é o caso com o governador reeleito pela Flórida, Ronnie DeSanctis.
PublicidadeEm meio à disputa interna pela vaga de candidato à presidência em 2024, o ex-presidente apelidou o partidário de “DeSanctsmonious”. Em sua retórica virulenta e perniciosa, pede votos enquanto humilha. Como revés pessoal, viu DeSanctis liderar o partido Republicano a varrer o estado da Flórida, enquanto aliados próximos de Trump, como Don Bolduc em New Hampshire.
A derrota na vitória
Mesmo conquistando maioria na Câmara, e disputando o controle no Senado, o sabor não é de vitória. E não é apenas pela expectativa de vitória arrasadora. Acontece que a disputa se dá em um contexto tão ideal que dificilmente se repetirá na história. A maior inflação dos últimos 40 anos, aumento de criminalidade, crise migratória escalonando e, com a derrubada do caso Roe vs Wade, a entrada direta dos Democratas em um debate claramente impopular como o aborto, tudo estava confluindo para uma “onda vermelha”. Porém, no estado de Maryland, onde tem a cidade mais violenta dos EUA, e onde os Republicanos exploraram exaustivamente essa pauta, os Democratas ganharam com uma margem absurda tanto para o Senado como para governador.
Esse comportamento demonstra, talvez, uma cristalização da rejeição ao discurso bélico do trumpismo, que faz com que na balança popular a inflação seja preferível a um estado de guerra constante dentro de burocracia americana. Acusações de fraude eleitoral, que se tornaram comuns desde 2020, já estavam sendo gestadas anterior ao pleito deste ano. No Arizona, onde os vermelhos dominaram por 24 anos, problemas na apuração dos votos faz com que a ficcionalidade golpista do GOP sob o trumpismo se manifeste.
Em certa medida, o tensionamento entre Republicanos e o processo eleitoral em si porá o partido em uma encruzilhada: se não há confiança na lisura dos procedimentos, por que insistir em participar do jogo? Ou, por outra, se há, de fato, uma fraude, não estaria a vítima legitimando as artimanhas de seu algoz?
De qualquer modo, esse discurso tende a enfraquecer, não a fortalecer.
Make Republicans Great Again
E toda análise sobre as eleições desse ano deve ser vista sob a ótica do movimento político liderado pelo bilionário republicano, pois, é o grande fiador da maioria dos candidatos. Revivendo seus tempos áureos de apresentador do reality show “O Aprendiz”, o que ele promoveu nas primárias do partido não foi a busca por candidatos competitivos, mas o enraizamento de sua forma e técnica entre os Republicanos. Não é sem motivo que a candidata a governadora do Arizona, Kari Lake (R), prometeu ser o pior pesadelo da imprensa pelos próximos oito anos — ou seja, já contando com a reeleição. O ex-presidente formou aprendizes.
A retórica belicosa e o formato popular talvez cativem o eleitor republicano, o que põe a ele e seus acólitos em condições de disputar as eleições, contudo, não são esses eleitores suficientes para derrotar os Democratas. Marc Thiessen, um dos principais conselheiros de George W. Bush, disse que o resultado aquém obriga-os a olharem profundamente para os próprios erros. Talvez, mais que olhar para os erros, é o caso de observar as próprias paixões.
Charlie Kirk, em “The MAGA Doctrine” inicia falando que a emergência de Donald Trump — e tudo que vem acompanhado com ele — é resultado de quando “os dois partidos deixam de escutar o povo e o povo ganha de qualquer maneira”, pois, é um ato de rebeldia não ser moderado pelas elites partidárias tradicionais. Para que isso se transformasse em um ativo político superior à própria rejeição dependeria de uma mobilização contínua, um permanente estado de guerra. Kirk afirma que “a filosofia do American First significa que não precisamos mais olhar para fora de nossas fronteiras para alimentar nossas ambições”. O problema é que essa filosofia alimenta cisões — quase incontornáveis — dentro de suas fronteiras.
Consequências para 2024
Quem sai perdendo, mas com sabor de vitória é o presidente norte-americano Joe Biden, que estava sendo colocado como uma âncora aos Democratas. Mesmo com a popularidade baixa e com cenários catastróficos se espalhando pelo país, a contenção à esperada “red wave” marca uma vitória política em seu mandato.
A emissora conservadora Fox News chega a projetar que a agremiação ganhou musculatura para a disputa programada para 2024. Como parte das ações que possibilitaram a contenção de danos está a política mais agressiva contra a China e a Rússia. A administração Biden busca refletir a perspectiva hegemônica dos Estados Unidos, que, em um momento que parece ser de transição da ordem global, trabalhando para realinhar essa ordem em favor de seu domínio.
Como ironia do destino, foi Donald Trump quem assumiu dizendo que a América negociava em prejuízo para manter sua influência, e que teria de rever isso, travando assim uma guerra comercial contra a China, mas será Joe Biden a levar essa agenda um passo além, e vê seus frutos já sendo colhidos desde agora. Para além do atual presidente, Ron DeSanctis é quem mais se fortaleceu para um pleito futuro. Mesmo em uma estrutura asfixiada pelo amplo domínio de Donald Trump, nenhum outro Republicano obteve índices tão expressivos em um estado chave quanto o atual governador da Flórida.
A arquitetura partidária pós-midterms não estará finalizada, ao contrário, a partir de agora que se inicia uma reorganização das forças políticas em seus respectivos partidos, desde a tentativa de reabilitação de Joe Biden — ou a ascensão de um substituto — até a escolha do desafiante Republicano. Se o MAGA continuará a dominar o GOP em 2024 ou se o partido se imporá sobre Donald Trump.
* Renato Battista é coordenador nacional do Movimento Brasil Livre, internacionalista (ESPM), cientista político (FESPSP) e mestrando em gestão pública (FGV).
Orlando Lima, 26, estudante na European University Alliance (IPS Portugal) e membro do Movimento Brasil Livre.
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