A decisão do presidente da Rússia, Vladimir Putin, de atacar a Ucrânia já começou a surtir impacto em seu parlamento. Apesar de ter conseguido aprovação quase unânime do decreto que reconheceu as independências das repúblicas de Lugansk e Donetsk e deu início às operações contra a Ucrânia, três parlamentares já afirmaram ter se arrependido da decisão, e hoje se posicionam contra a guerra.
São eles o senador Vyacheslav Markhayev e os deputados Mikhail Matveyev e Oleg Smolin. Os três são membros do Partido Comunista da Federação Russa, o segundo maior da Duma (órgão equivalente à Câmara dos Deputados). A nova postura deles em relação ao conflito diverge não apenas dos interesses do governo russo, como do próprio partido, cujo líder mantém posição favorável à invasão.
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O deputado Mikhail Matveyev foi o que se posicionou de forma mais discreta, apenas com uma pequena nota em seus perfis no Twitter e Telegram. “Até o último momento, eu não podia acreditar que Putin poderia começar essa guerra absurda. E eu estava errado. Eu sempre acreditei que a razão poderia vencer no final. Mas eu estava errado”, declarou.
O senador Vyacheslav Markhayev já tentou explicar os motivos de seu voto em favor do decreto. “Durante oito anos a comunidade internacional não percebeu o genocídio dos povos dessas regiões. A mídia ocidental não noticiou a barbárie, a violação dos princípios da democracia e dos direitos humanos. (…) Nós precisávamos reconhecer as independências de Donetsk e Lugansk para protegê-los do completo extermínio”, afirmou em seu perfil no VK, maior rede social russa.
Seu voto, porém, não surtiu o efeito esperado. “Toda a campanha de reconhecimento tinha uma intenção e planos totalmente diferentes, que ficaram inicialmente escondidos de nós. Por consequência, acabamos em um confronto de larga escala entre dois Estados”, explicou. “Eu odeio a guerra e a solução militar de problemas. Digo isso não como observador ou político, mas como participante direto de eventos similares e bastante recentes na história russa”, declarou.
PublicidadeOleg Smolin foi o único deputado a apresentar receio quanto ao reconhecimento das regiões separatistas da Ucrânia, chegando a manifestar posição contrária antes de votar a favor. Assim como os demais colegas, ele afirma se sentir enganado por Putin. “Cometi dois erros em minha carreira: em 1993, quando eu não acreditei que Boris Yeltsin tentaria um golpe de Estado, e em 2022, que a Rússia daria início a hostilidades de larga escala na Ucrânia”
Seu receio em reconhecer a independência das duas repúblicas se deu por conta de sua oposição à própria separação da Rússia da União Soviética, e por entender que o fortalecimento de rivalidades com vizinhos tornaria ainda mais difícil reverter o efeito da queda do regime. Sua decisão final, porém, se deu em favor do decreto por entender que cabe à população local decidir sobre seu próprio caminho.
A esperança de Smolin, porém, era de que a Rússia apenas ocupasse as duas regiões ao invés de iniciar uma invasão total. “Ao ouvir sobre o início das hostilidades de larga escala na Ucrânia, eu fiquei chocado. Eu ainda não consigo responder algumas perguntas. (…) Como um intelectual russo, estou convencido de que a força militar só deve ser usada como último recurso na política. (…) Por mais da metade da minha vida, nós éramos um único país”, relatou em suas redes.
Os três parlamentares chegaram a assinar uma carta apelando ao partido para que se junte na oposição ao conflito. O pedido não foi acatado pelo seu presidente, Guennadi Ziuganov. “O Ocidente está defendendo os notórios fascistas e terroristas que tomaram o poder na Ucrânia, e que fazem seus cidadãos de reféns em sua vil russofobia e anti-sovietismo. E são reféns no sentido literal da palavra”, respondeu o dirigente partidário em nota.
Ziuganov afirma ser contra o derramamento de sangue, mas questiona se os opositores do conflito adotariam a mesma postura se a narrativa fosse contrária. “Se as forças armadas da Ucrânia e os batalhões nazistas invadissem o Donbass, como planejado, e massacrassem os defensores e a população civil de Lugansk e Donetsk, vocês protestariam? Ou ficariam em silêncio? Infelizmente, eu tenho certeza que mesmo o rio de sangue no Donbass não os teria levado a ir para as ruas exigindo o fim do genocídio do povo russo e da população russófona”, declarou, reproduzindo a retórica de Putin para iniciar a invasão.