José Manuel Pereira Ribeiro*
A Constituição da República Portuguesa, decretada após o 25 de abril, a revolução sem violência que devolveu a liberdade e a democracia ao país, foi a primeira a consagrar o aprofundamento da Democracia Participativa como desígnio nacional.
A História mostra-nos, contudo, que a democracia é um processo em constante construção e em um tempo em que pairam várias ameaças à liberdade e à democracia percebe-se que o caminho está longe de estar concluído e que devemos investir em formas de participação que permitam alimentar os valores democráticos, combatendo o crescente afastamento dos cidadãos da democracia.
Os governos locais, dada a sua proximidade, assumem um papel crucial nesta tarefa de manter viva a cidadania, gerar confiança e facilitar o acesso dos cidadãos a ferramentas participativas inovadoras, democratizando as tomadas de decisão, reduzindo assimetrias do poder e reforçando a resiliência democrática.
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Enquanto presidente da Rede de Autarquias Participativas (RAP) de Portugal e da prefeitura de Valongo (denominada, em Portugal, Câmara Municipal) , tenho defendido que é essencial apostar em uma comunidade mais esclarecida e mais participativa, pois só cidadãos autônomos e vigilantes são capazes de identificar e reagir de forma critica a derivas autoritárias e populistas, de modo a não ficarem reféns das tiranias das maiorias, nem das tiranias das minorias.
Os prefeitos e prefeitas têm sabido agarrar este desafio e mobilizam cada vez mais recursos para proporcionar aos cidadãos novas formas de viver a democracia local, cientes de que a participação não é espontânea e exige a criação de condições inovadoras capazes de incorporar os princípios democráticos no funcionamento das instituições, de modo a gerar impactos reais na sociedade.
PublicidadeAssim, passadas mais de três décadas desde as primeiras experiências no Brasil, os Orçamentos Participativos (OP) são uma prática disseminada pelo mundo e afirmam-se como um dos caminhos para ampliar espaços de diálogo entre sociedade e instituições, reforçando o sentimento de pertença e de comunidade, que permite materializar a consciência de que o coletivo é feito de e por todos nós.
No entanto, as práticas participativas devem ser suportadas por outras medidas, como a transparência, disponibilizando informação sobre as decisões que afetam os cidadãos, permitindo-lhes acompanhar e avaliar todo o processo. Demandam rigor, responsabilidade e interação para gerar proximidade e inclusão, e a participação de diferentes grupos sociais. Estes mecanismos conjugados assumem um papel transformador, funcionando como uma engrenagem que permite construir uma consciência cidadã ativa e exigente, capaz de estimular um cada vez melhor serviço público.
A RAP reúne as mais avançadas iniciativas de participação praticadas em Portugal por várias cidades, cujo manancial de inovação é uma fonte de conhecimento ímpar que esta rede de governos locais partilha e potencia em prol da qualificação da participação e da democracia.
Em Valongo, concretizamos o OP Jovem há uma década e uma das aprendizagens é a de que estes processos não se esgotam em si mesmos e, a longo prazo, trazem um contributo que, embora difícil de quantificar, é o que representa maior impacto para as comunidades: o poder de transformar as pessoas e a sociedade.
Nestes dez anos, alargamos as formas de participação, expandindo-as a novas áreas. Criamos um OP interno para trabalhadores do município e processos destinados à participação de crianças e jovens. Reconhecer-lhes o direito de participar nas decisões que as afetam, seja em casa, na escola ou na comunidade é essencial para o seu desenvolvimento e porque é preciso estimular competências democráticas desde muito cedo.
Para isso, adotamos diferentes formas de diálogo com os cidadãos, seja para identificar desafios comuns, planejar ações ou para tomar decisões que envolvam o coletivo, dando voz àqueles que, pela sua idade ou segmento social, tradicionalmente são excluídos dos processos participativos, mormente da formação de documentos normativos e reguladores.
No âmbito local, ou nos debates sobre participação em escala nacional, este é um caminho que temos de construir em conjunto, eleitos e cidadãos, tendo sempre presente que a democracia é um processo de conquista permanente, pois, tal como um jardim tem de ser regado todos os dias, para mantermos viva a democracia, temos de investir, de forma consistente, em uma cidadania plena, semeando a consciência democrática no coração das pessoas.
* José Manuel Pereira Ribeiro é presidente da Rede Portuguesa de Autarquias Participativas desde 2018 e prefeito de Valongo (Portugal).
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