Para quem apostava que os debates eleitorais tinham perdido força e não alteravam mais o jogo eleitoral na era das mídias sociais e algoritmos, bem, o último debate das eleições norte-americanas derrubou a premissa; e Joe Biden! O debate de hoje à noite entre Donald Trump e Kamala Harris, veiculado pela ABC News, pode, sim, ser um bom indicativo dos ventos que levarão ao candidato vitorioso em 5 de novembro.
Após o ciclo de mídia muito favorável a Trump, com o fatídico debate com Biden, a tentativa de assassinato e a Convenção Republicana, o momento seguinte foi todo de Kamala Harris: da consolidação de sua escolha como substituta de Biden à definição de seu vice de chapa, e, por último a Convenção Democrata.
A última pesquisa NY Times/Siena College (campo realizado entre 3 e 6 de setembro) traz Trump e Kamala tecnicamente empatados no voto popular (margem de erro de 2.8 pontos percentuais), 48% vs 47%, respectivamente. Diferentemente do Brasil, e da maioria das democracias no mundo, a eleição americana é decidida de forma indireta, no Colégio Eleitoral, portanto o principal indicativo eleitoral preditivo são as pesquisas dentro dos estados-pêndulos americanos, aqueles onde não há uma tradição histórica do eleitorado de voto num ou noutro partido. Por conta desse comportamento o nome “estados-pêndulos”. São eles:
Fonte: NY Times/ Siena College. Média das pesquisas.
A mudança de Biden para Kamala trouxe os democratas de volta ao jogo, mas, estamos muito longe de indicar quem ganhará a Casa Branca em 2025. Os candidatos à Presidência estão empatados em todos os estados-pêndulos e a corrida pela conquista dos 270 delegados no colégio eleitoral continua a pleno vapor.
Entre os estados mais competitivos, destaco a Pensilvâniaa, estado onde os candidatos estão aportando a maior soma de dinheiro, por dois motivos. O primeiro: é o estado com o maior número de delegados (19) entre os estados-pêndulos. Segundo, podemos comparar Pensilvânia ao nosso estado de Minas Gerais. Há um dado curioso observado no Brasil, o candidato que ganha em Minas ganha a Presidência do Brasil, sempre! Inclusive a vitória de Lula sobre Bolsonaro, nos dois turnos, com diferença bem apertada entre os dois, aconteceu em Minas, assim como nacionalmente. A análise por trás do curioso dado é a posição geográfico do estado, que, no Sudeste, faz fronteira com as regiões Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, o que faria com que o eleitorado mineiro representasse em menor escala, mas de forma bastante representativa, o eleitorado brasileiro.
A Pensilvânia parece estar para os Estados Unidos como Minas Gerais está para o Brasil. O Estado, historicamente, se confunde com fatos importantes fundadores da nação norte-americana: sediou o Congresso Continental na Filadélfia na década de 1770 e foi o último a fazer a aprovação da Declaração de Independência por unanimidade em julho de 1776. Na época da independência, a Pensilvânia também estava no centro geográfico das 13 colônias originais, com seis estados ao sul e seis estados ao norte e leste. A Pensilvânia possui eleitores com um amplo aspecto de visões políticas, dos eleitores mais liberais da Filadélfia aos eleitores mais rurais e conservadores do interior do Estado. Dado curioso: o eleitorado do estado escolheu o candidato que acabou sendo eleito presidente americano em dez das últimas 12 eleições.
Por essas razões, a Pensilvânia é citada no léxico político americano como um “keystone state” (algo como o estado fundamental estadunidense); caracterizando-se claramente como o maior campo de batalha eleitoral para os candidatos em novembro.
Outro ponto interessante que a pesquisa supracitada traz é que 28% dos eleitores estão com uma expectativa de entender melhor as propostas de Kamala Harris, que entrou tardiamente na corrida. O debate de hoje trará, desta forma, a oportunidade da candidata sanar este aspecto da curiosidade dos eleitores que podem ainda enxergá-la na sombra da vice presidência do governo Biden.
O principal desafio de Kamala no debate é falar sobre economia. A recuperação do poder de compra americano parece ser um dos temas centrais nesta eleição, com inflação em torno de 5%, há um impacto real no ticket de compra de supermercado norte-americano; assunto sensível num país com tradição consumista como os EUA. Outro ponto em que Kamala precisa se sair bem é imigração, ponto central na campanha de Trump e bastante ligado ao tema empregos.
Como vice-presidente, Kamala foi incumbida por Biden de tratar do tema da imigração, mas tem sofrido inúmeros ataques pelo seu histórico de Promotora Pública no Estado da Califórnia, acusada de promover encarceramento em massa da população negra. Acusações que podem fragilizar seus números perante o eleitorado negro, historicamente mais inclinado ao voto nos democratas.
Sobre os pontos positivos de Kamala estão a defesa dos direitos amplos e irrestritos ao aborto antes da queda de Roe vs Wade, mas, principalmente, sua habilidade na oratória jurídica adquirida em seus anos na Promotoria Pública da Califórnia. Kamala já mostrou ser uma debatedora habilidosa, com trocas muito assertivas contra o ex-vice-presidente Mike Pense e mesmo contra Biden, na disputa das primárias do Partido Democrata. Suas habilidades poderão fragilizar Trump perante as inúmeros acusações que pesam contra ele em diversos níveis da justiça americana, espaço que parece até agora não ter sido explorado de forma eficiente pelos democratas.
O cenário externo não acredito que tomará um papel central no debate, ainda assim, as visões aqui são antagônicas em certa medida. Trump propõe uma política externa de “desglobalização”, prometendo um país mais fechado e isolado no cenário internacional, seja diplomaticamente, seja com protecionismo com relação ao comércio externo americano. Kamala por sua vez, irá no caminho de reforço das relações multilaterais dos EUA com seus aliados e organizações internacionais; além do reforço ao comprometimento com a defesa da democracia no mundo.
A tensão pré-debate está no ar, 70% dos norte-americanos declararam que vão assistir o debate hoje à noite.
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